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terça-feira, maio 19, 2020

E, de súbito


(Jardins da Gulbenkian, 2014)
E, de súbito, há essa luz
que se espalha sobre a tarde,
essa luz invasora
que traz o passado pela mão,
que o arrasta,
e mo devolve em fragmentos,
como um tempo já sem préstimo.

E, de súbito, é verão na primavera…
Vozes antigas ecoam na minha cabeça
como um mantra,
como uma ladainha,
uma canção infantil.

Vejo-me  menina,
alma sem mácula e sem mágoas,
corpo pequeno que se enrola
nas palavras alheias,
pronunciadas sem pressa.

deep, 15 de Maio de 2014

Em repetição...

quinta-feira, abril 23, 2020

Dia Mundial do Livro


Quando era adolescente e vivia numa pequena vila de província que não oferecia aos mais novos alternativas de diversão, o refúgio era, para alguns de nós, a leitura. Felizmente, havia, mesmo no centro da localidade, num dos edifícios mais bonitos, uma biblioteca de que me fiz amiga pelos oito anos. Entrar nela era como entrar num santuário, pois naquele espaço tudo era austeridade e fascínio - os livros metodicamente arrumados, as janelas altíssimas com pesadas portadas de madeira, o chão, também de madeira, de onde se desprendia sempre um forte cheiro a cera e o rosto sisudo do responsável que garantia o silêncio e a ordem. Veio-me provavelmente daí e do contacto com alguns professores que, felizmente, se cruzaram no meu caminho o gosto que continuo a alimentar pelos livros e pelas histórias. Acrescentaram-no, ainda na infância, a leitura do Girassol, uma publicação juvenil, que incluía passatempos, biografias em banda desenhada, receitas de culinária simples e excertos de livros - um excerto de O Cavaleiro da Dinamarca, da Sophia de Mello Breyner, abriu-me o apetite para a leitura integral da obra. Lembro-me que, nos tempos de faculdade, uma parte da magra bolsa de estudo ficava implicitamente destinado à compra de um livro. Nesse tempo, a leitura era tema de conversa habitual, como a troca e a oferta de livros. Durante o período em que decorria a Feira do Livro, primeiro na Rotunda da Boavista, depois no Pavilhão Rosa Mota, perdia a conta às horas que passava à procura de títulos interessantes, preferencialmente baratos. Vem desse tempo a leitura de Herman Hesse, de Gorki, de Kafka e de Yourcenar. Foi numa feira de 1991 que adquiri uma das obras que mais me custou perder e que não voltei a encontrar - Antologia Breve do Eugénio de Andrade. Hoje, cada vez que entro numa livraria, fico sobejamente desiludida. Já não se encontram livros que valha a pena oferecer. Nos escaparates e nas prateleiras, abunda a literatura que eu apelido de "fast-food" - rápida de confeccionar, de mastigar e digerir, que engorda, mas não alimenta. As pessoas fazem gala de dizer que leram este ou aquele título, que lêem cada vez mais... Falta critério, parece-me...

Texto resgatado do baú.

quarta-feira, dezembro 18, 2019

Memórias

Porque o Natal também se faz de boas memórias... 

Tu ignoras esse Natal
que persiste na minha memória
e me aconchega.
Falo desse Natal que é ainda o meu avô
a abrir a porta que dava para o cortinheiro
às manhãs frias.
Ou um santo António
a assomar numa nota de vinte escudos,
a cor e o aroma das tangerinas
e das laranjas, que se ofertavam ao menino.
O Natal em que a roupa dormia, gelada,
no estendal da varanda,
a chama e o calor da fogueira que procurávamos
depois da missa do galo, quando as luzes da aldeia
se apagavam.
Os almanaques do tio, o arroz doce da tia,
que repousava na sala que só se abria
para as visitas em dias de festa.
Foi num desses natais
que recebi o meu primeiro relógio.
A partir de então,
aprendi a voracidade das horas,
o efeito corruptor do tempo,
deep, dezembro de 2013

domingo, dezembro 03, 2017

Memórias do frio

Em repetição por aqui, porque Dezembro não é apenas o Natal e todo o consumismo inerente. Dezembro é, mais do que isso, as memórias do frio, dos gestos pequenos que enchiam o coração e das pessoas cuja presença serena nos abraçava.



Tu ignoras esse Natal
que persiste na minha memória
e me aconchega.

Falo desse Natal que é ainda o meu avô
a abriràs manhãs frias, a porta
que dava para o cortinheiro*.

Ou um santo António
a assomar numa nota de vinte escudos,
a cor e o aroma das tangerinas
e das laranjas, que se ofertavam ao menino.

O Natal em que a roupa dormia, gelada, 
no estendal da varanda,
a chama e o calor da fogueira que procurávamos
depois da missa do galo, quando as luzes da aldeia
se apagavam.

Os almanaques do tio, o arroz doce da tia,
que repousava na sala que só se abria
para as visitas em dias de festa.

Foi num desses natais
que recebi o meu primeiro relógio.

A partir de então,
aprendi a voracidade das horas, 
o efeito corruptor do tempo.

deep, Dezembro de 2013

*quintal

quarta-feira, setembro 13, 2017

As mulheres

Mero devaneio nascido de impressões, não de certezas...

Nas lentas tardes da infância,
as mulheres desfiam histórias
de sofrimento antigo.

Num gesto mecânico,
as mãos, engelhadas e côncavas,
como garras de rapina,
abandonam o regaço,
para ajeitar a travessa do cabelo.

Sentadas nas toscas escaleiras de xisto,
trocam confidências e mezinhas,
receitas e rezas, as mulheres.

Com desvelo,
vêem crescer os filhos e as trepadeiras,
rente às paredes,
ao abrigo da canícula.

Pacientes, aguardam que o pão levede
nas masseiras e que a roupa aclare ao sol.
Com a mesma paciência,
perdoam aos homens,
eternos meninos inconsequentes,
as traições, as demoras
e os filhos em ventres alheios.

No interior das casas, a luz que entra
pelas telhas de vidro
ilumina os objectos quotidianos
que repousam sobre o oleado da mesa
e sobre o velho escano.

Nas lentas tarde da infância,
os homens marcam encontro na taberna
onde entornam copos de vinho
e jogam ao chincalhão e à batota,
esquecidos das mulheres
que os esperam,
com a mesa posta,

depois das ave-marias.

quinta-feira, dezembro 15, 2016

Memórias de Natais passados


(Um dos "bonecos" da minha irmã)

No meu tempo (já pareço uma velhota a falar!), o Natal era ainda uma festa exclusivamente religiosa. Não se ouvia falar de Pai Natal, nem de renas. Os presentes, por aqui muito modestos, eram colocados pelos pais, na madrugada do dia 25, junto aos sapatos, que deixávamos estrategicamente aos pés da cama, crentes de que o Menino Jesus viria enquanto estivéssemos a dormir.
Nos natais que recordo, as manhãs eram geladas - nas casas, a única fonte de calor era a lareira - e não fosse a ansiedade de desembrulhar os presentes, o frio era mais do que pretexto para preguiçarmos mais um pouco na cama, até que os apelos da mãe se transformassem em ameaça. Na noite de consoada,comia-se - e ainda se come - polvo e bacalhau cozidos, acompanhados de couve, rábanos e batatas e das iguarias doces que são comuns a quase todo o país.
Nesse tempo da infância, Natal sem Missa do Galo não era Natal. Havia no ritual de sair a desoras de casa e de regressar às escuras - nas aldeias, a iluminação pública estava ligada apenas até à meia-noite ou uma hora - uma cumplicidade ímpar. Na igreja, entoavam-se cânticos próprios da época, beijava-se o Menino, a quem se oferecia, simbolicamente, laranjas (que algumas crianças mais pobres recebiam também no sapatinho como presente). O presépio, como hoje ainda acontece, era feito com musgo e um zimbro no lugar do tradicional pinheiro.
Quando se saía da igreja era quase uma obrigação parar algum tempo ao pé da imponente fogueira, alimentada por gigantescos troncos (de castanheiro, a maior parte), que os rapazes, com grande orgulho, acarretavam em carros de bois.
Mas o melhor do Natal era, então, o reencontro com a família, o hábito - que ainda mantemos - de andarmos, em bando, de casa em casa, a desejar Boas Festas e a provar o fumeiro.
Confesso que me desgosta um pouco o consumismo que actualmente se associa ao Natal, e a que eu própria não consigo fugir. Não me choca que pessoas que afirmam convictamente a sua anti-religiosidade - eu própria, a esta altura, talvez seja cátólica mais por tradição do que por Fé - celebrem o Natal, porque este já assumiu o estatuto de festa universal, que excede as barreiras da crença. Usarmos o Natal como pretexto para estarmos juntos é razão mais do que válida para o celebrarmos, ainda que pareça haver alguma incoerência nessa celebração.

terça-feira, setembro 27, 2016

Das memórias boas...


Resgato do baú um texto com alguns anos.

Assomo à varanda. Aqui é impossível não acreditarmos que a Terra é redonda. É difícil não nos sentirmos extasiados com tamanha beleza. O olhar, que, em dias claros, se perde pelos montes até ao planalto, embate agora numa cortina de água.

Num plano mais próximo, campos de verde novo alternam com terras recentemente lavradas.
Aproximo o olhar, que agora se fixa nos caminhos estreitos de terra batida, ladeados de muros de xisto que, como tentáculos, se estendem até às hortas, aos pomares, aos soutos, só depois aos olivais.
Sob a chuva miudinha, que se entranha no empedrado das ruas desertas (essas ruas que já foram de lama e de xisto e onde rolaram alegres carros feitos de tábuas e de rodas de charrua), nas árvores e nos telhados, e o fumo que se desprende das chaminés das poucas casas ainda habitadas, a aldeia é um ser melancólico e solitário, ofendido com a indiferença dos homens que se recolhem no calor das lareiras, no agasalho das casas. Também lhe viro as costas, quando um frio húmido me chega aos ossos. 
Sento-me no velho e pesado escano de madeira, em frente à lareira, onde pedaços de grossos troncos ardem. Memórias antigas teimam em roubar-me ao presente. O sabor inigualável da sopa de feijão vermelho que a tia cozinhava, à lareira, em panela de ferro. O aroma do café de mistura que se exalava do pote de barro preto. O tio que respondia em frases rimadas e que usava sempre colete, de cujo bolso pendia a corrente de um relógio. O rádio Westinghouse do tio que ele guardava tão religiosamente que só o víamos - e ouvíamos - quando coincidia a nossa visita com a hora do noticiário ou do terço. Os almanaques que, com o tempo, passámos a conhecer de cor. As conversas demoradas à lareira.
As histórias de tempos difíceis, de pobreza, de partilha e de bondade, apesar de tudo...

quarta-feira, junho 29, 2016

Em repetição

Segue os trilhos da infância.
Não os percas de vista.

Neles, encontrarás um som.
Talvez o chiar dos carros de bois 
de regresso à aldeia,
no fim de uma tarde de Verão,
talvez o canto das cigarras.

Segue-os...
Neles, encontrarás aquele raio de luz
que, intrometendo-se pelas frinchas do telhado,
ilumina os objetos quotidianos que repousam
sobre a mesa e sobre o velho escano.

Segue esses trilhos primeiros...
Neles, habitam ainda o aroma amargo
das giestas e o toque resinoso das estevas.

Encontrarás pedras, é certo.
Cobrir-te-ás de pó... não duvides.

Mas deles emergirão as vozes
que te seguram e que te guiam

no regresso a ti.

deep, 8 e 9 de Fevereiro de 2016


Para ouvir aqui. (A gravação é uma experiência, apenas.)

terça-feira, fevereiro 09, 2016

Segue os trilhos da infância


Segue os trilhos da infância.
Não os percas de vista.

Neles, encontrarás um som.
Talvez o chiar dos carros de bois 
de regresso à aldeia,
no fim de uma tarde de Verão,
talvez o canto das cigarras.

Segue-os...
Neles, encontrarás aquele raio de luz
que, intrometendo-se pelas frinchas do telhado,
ilumina os objetos quotidianos que repousam
sobre a mesa e sobre o velho escano.

Segue esses trilhos primeiros...
Neles, habitam ainda o aroma amargo
das giestas e o toque resinoso das estevas.

Encontrarás pedras, é certo.
Cobrir-te-ás de pó... não duvides.

Mas deles emergirão as vozes
que te seguram e que te guiam

no regresso a ti.

deep, 8 e 9 de Fevereiro de 2016

terça-feira, novembro 24, 2015

Memórias de outros tempos


A minha mãe costuma contar que, na sua infância, as crianças pobres, que na aldeia eram quase todas, andavam descalças, quando estava bom tempo, ou de socas, nos dias frios, e que costumavam, à vez, levar brasas num balde de lata (ou num pequeno caldeiro), para aquecer a escola.
Foi inspirada nesses relatos que a minha irmã fez o desenho que surripiei do caderno dela.

quarta-feira, novembro 12, 2014

Em tempo de castanhas


Lembro-me que era tempo de castanhas e que frequentávamos a então chamada Escola Primária. Na manhã de um dia que nasceu pouco simpático, saímos para o campo, a pé, com as professoras. Depois de termos feito o magusto, comido as castanhas e de termos “enforretado” (tisnado) as caras, como mandava a tradição, preparámo-nos para fazer o caminho de regresso à vila. Escassos minutos depois, fomos surpreendidos por uma chuva impiedosa, que nos obrigou a abrigarmo-nos numa curriça. Não estou certa do desfecho, mas tenho a vaga ideia de que alguém nos foi buscar de camioneta, algo que já teria sido combinado, visto que, naquele tempo, os telemóveis estavam longe de existir.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

Mudam-se os tempos, mudam-se... os preços!

Tive uns brinquedos iguaizinhos. Noutros tempos, compravam-se em feiras. Hoje, podemos encontrá-los aqui e não custam propriamente uma pechincha.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

quem se lembra?

Quase ninguém se lembra deles. Independentemente da qualidade, eu adorava-os!