letras são papéis
que a chuva molha, que o fogo consome, que o vento leva, que o tempo apaga...
terça-feira, março 21, 2023
sábado, março 18, 2023
quinta-feira, outubro 20, 2022
17 anos e 1 dia
Por vezes, tenho a impressão de que se passou quase nada nestes anos. Outras, sinto que vivi várias vidas.
Não criei um filho, mas fui criando um blogue (que não é, obviamente, a mesma coisa!) e, com ele, alguns laços e empatias.
Obrigada a todos quantos, ao longo destes anos, me têm feito companhia. Brindemos!
quinta-feira, setembro 22, 2022
As amoras
O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade, O Outro Nome da Terra
Com votos de felizes dias para a ana e para a CC!
domingo, agosto 21, 2022
Retalhos
De 1 a 12 - São Miguel; de 12 a 17 - Astúrias (Llanes e Gijón); as duas últimas - miradouro do Ujo (com vista para o rio Tua), Alijó
sexta-feira, junho 10, 2022
O tempo acaba o ano, o mês e a hora
O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora.
O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.
O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.
Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
quinta-feira, maio 05, 2022
A Peça (Em 4 Turnos)
Como sou uma privilegiada, pude assistir ao ensaio geral, de que me ficaram algumas impressões:
O teatro tem o dom, que partilha
com outras formas de arte, de nos fazer rir, de nos comover, de nos obrigar a
ver a realidade com outros olhos. Assim acontece com “A Peça (em 4 Turnos)”, o
novo trabalho da Peripécia Teatro, que alia, como a companhia nos tem
habituado, ao talento e à versatilidade, a reflexão sobre o que não convém
esquecer e algumas notas de cómico.
Em
palco, quatro atores e um músico, que é também, a seu tempo, interveniente na
ação como personagem. A música, ora melódica, ora agressiva, marca a
dramaticidade ou a conflituosidade, interior ou exterior, da ação. São também
protagonistas algumas bicicletas, polivalentes nas suas funções. O movimento
das rodas traduz a monotonia dos dias e do trabalho árduo e mecânico, a
vigilância e a opressão das forças visíveis e ocultas do poder, ininterruptas -
como as máquinas e como os turnos - e opressivas.
“A
Peça (em 4 Turnos)” é uma peça sobre opressores e oprimidos, sobre patrões e
operários, sobre o medo e a delação, a luta e a resistência, mas também sobre a
liberdade (e a libertação), o amor, a amizade e o companheirismo.
Quatro
são os turnos das grandes fábricas, mas quatro são também as vidas reais trazidas
a cena pelos atores.
“A
Peça (em 4 Turnos)” revela-se uma reflexão sobre o compromisso que a arte, em
particular o teatro, deve ter com as pessoas, a lembrar Brecht ou Sttau
Monteiro. Por isso, em cena, há operários que, nas (escassas) horas livres, são
atores – ou pretendem sê-lo. Para driblar a opressão. Para enfrentar a
vigilância do Estado e da Igreja. Para contrariar a monotonia. Para se fazerem
ouvir. Para poderem ser o que quiserem, tendo a ilusão de que, sendo outros, o
mundo é mais justo e os dias menos penosos. Para acordarem e agitarem consciências.
Para que as pessoas abram as cabeças. São operários de punho erguido, com
“consciência operária”, como alguém refere na própria peça.
Neste
novo trabalho da Peripécia Teatro,
entretecem-se fios de diferentes épocas e diferentes vozes. Nele, evocam-se as
ditaduras de Salazar, de Franco e de Pinochet e os poetas, de cá e de além-mar,
que os ditadores torturaram e mataram, mas não silenciaram, porque vivem na
memória das gerações seguintes. “A Peça (em 4 Turnos)” é (ainda) sobre o nosso
tempo, pois enquanto houver opressores e oprimidos não podemos deixar que a
cortina se feche.
segunda-feira, abril 11, 2022
terça-feira, março 08, 2022
A propósito...
Transcrevo para esta página um texto que escrevi esta manhã para ser publicado noutro espaço.
O Dia
Internacional da Mulher que hoje, 8 de março, se celebra, foi instituído pela
ONU em 1977, para celebrar as conquistas e para homenagear as mulheres que
fizeram um percurso de luta, no sentido da igualdade. Celebrar este dia na
atualidade é também uma forma de lembrar que a meta ainda não está atingida, que
há muitas batalhas para travar.
Basta olharmos à nossa volta para
percebermos que a mulher continua a ser, na maior parte dos casais, a principal
responsável pelas tarefas domésticas e pela educação dos filhos. São as mulheres
que, depois de um dia de trabalho, tratam não só da lida da casa, como são
sobretudo elas que se assumem como encarregados de educação dos filhos, que vão
à escola ou que faltam ao trabalho quando eles ficam doentes. São as mulheres
que, quase sempre, abdicam das carreiras ou de certos sonhos, para os maridos
ou os filhos possam concretizar os seus. A este propósito, recordo uma entrevista
do escritor peruano Mario Vargas Llosa, em que ele dizia que não teria chegado
onde chegou na sua carreira se a esposa não tivesse garantido a resolução das
questões domésticas (prosaicas, mas necessárias!). De quantos sonhos abdicou
ela?
Apesar de todas as alterações à
constituição, que preconiza que as mulheres devem ter maior representatividade
na política e em cargos de chefia, a realidade mostra-nos que houve progresso,
mas não aquele que seria o ideal.
Socialmente, a mulher continua
a ser vista por muitos homens – e pelas próprias mulheres também! - como
um ser incapaz de levar a cabo certas tarefas e uma presa fácil. Toda a mulher
que ouse entrar sozinha numa oficina ou num bar noturno é olhada como um
"elemento estranho" e alguém a quem é fácil seduzir ou enganar. Até a
própria linguagem que se usa para condenar os comportamentos das mulheres é
mais discriminatória, diminuitiva e, entre os homens, não raras vezes obscena.
Diariamente, lemos ou vemos notícias
que nos provam que a mulher continua
a ser a principal vítima de violência doméstica e de outros tipos de crime.
Nos últimos dias,
quando nos ligamos aos meios de comunicação ou às redes sociais, deparamos com notícias
e testemunhos de mulheres que fogem da guerra e que, tendo deixado os maridos
na Ucrânia, procuram garantir a segurança dos filhos. São mulheres
desesperadas, mas são, sobretudo, mulheres corajosas, que partem sem saberem aquilo
que as espera no fim da linha, que chegam a países de acolhimento, como o
nosso, sem conhecerem a língua e sem terem alguém ou um emprego que as espere.
É principalmente para essas mulheres – mães, filhas, avós – que hoje dirijo a
minha homenagem.
Feliz Dia Internacional da Mulher!
Termino com dois excertos do poema “Calçada de Carriche”, de António Gedeão, que é uma homenagem às mulheres.
sobe a calçada
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe Luísa,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
[...]
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
[...]