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segunda-feira, julho 12, 2021

Mudar de casa


Evgenyi Monahov
 

É bom mudar de casa, de janela,
arrumar de outra maneira as ilusões,
tratar de coisas puras como tintas
e sofás, pôr ordem entre os livros
e a vida, simular a liberdade.
Parece-nos possível voltar a acreditar
na mão que nos estende um pé de salsa,
na pechincha da beleza, quando passa
no poente da razão.
Apetece cometer uma loucura,
comprar um telescópio, decorar
o canto nono dos Lusíadas,
subir umas escadas do avesso,
pensar que nunca mais teremos frio.
José Miguel Silva, Ulisses já não mora aqui & etc.

quinta-feira, novembro 05, 2020

Coisas bonitas


 Gustav Klimt, "A bailarina"

domingo, junho 28, 2020

Luz e sombra


Manuel Amado, Estrada da Comenda (1993)

quinta-feira, junho 18, 2020

Saramago


Marc Chagall, "Sobre a cidade"

«Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar. Conheceu todos os caminhos do pó e da lama, a branda areia, a pedra aguda, tantas vezes a geada rangente e assassina, dois nevões de que só saiu viva porque ainda não queria morrer. Tisnou-se de sol como um ramo de árvore retirado do lume antes de lhe chegar a hora das cinzas (...). Onde chegava, perguntava se tinham visto por ali um homem com estes e aqueles sinais, a mão esquerda de menos, e alto como um soldado da guarda real, barba toda grisalha, mas se entretanto a rapou, é uma cara que não se esquece, pelo menos não a esqueci eu (...). Julgavam-na doida, mas, se ela se deixava ficar por ali uns tempos, viam-na tão sensata em todas as mais palavras e acções que duvidavam da primeira suspeita de pouco siso. Por fim já era conhecida de terra em terra, a pontos de não raro a preceder o nome de Voadora.»

José Saramago, Memorial do Convento

José Saramago partiu há 10 anos.

domingo, fevereiro 17, 2019

Metáforas


Erika Khun

sábado, setembro 22, 2018

Revisitar poetas


Nunca te esqueci – é este um amor maior
que atravessa a vida e resiste à cicatriz
do tempo. O que ontem me disseste agora
o ouço, como se nada tivesse interrompido
a magia do instante em que as nossas bocas
se aguardavam na distância de um beijo e
o olhar tocava o corpo antes da mão. Se

hoje vieres por esse livro que deixaste (e cuja
lombada acariciei todos os dias que durou a tua
ausência como uma nesga de sol acaricia um
rosto no Inverno), encontrarás a sopa a fumegar
na mesa, e a camisa engomada no cabide, e os
lençóis da cama imaculados, e um corpo pronto
para qualquer aventura – e ainda o cão deitado
à porta, à tua espera, como na véspera de partires.

Porque os anos não contam para quem assim ama.

Maria do Rosário Pedreira, O canto do vento nos ciprestes

sexta-feira, junho 15, 2018

Waiting for the time to fly


Duy Huynh, "Waitting for the time to fly"

Espero pelo tempo
em que possa voar.

Espero pelo tempo
em que a cinza 
dê, de novo, lugar à chama.

Aguardo, de olhos fixos
no relógio inerte,
o momento em que 
nos meus braços
se desenhem asas.

Pouco sei do Sul
e do voo das aves,
da dureza das rochas.
Sonho-me, porém, águia
a medir distâncias.

Deep, 27 de Abril de 2015

segunda-feira, abril 30, 2018

Como as árvores


(Duy Huynh)
Inclino-me, como as árvores,
à passagem do vento,
rendo-me aos seus doces sussurros,
sedutor incorrigível, quando a tarde declina...

Inclino-me, quando impetuoso,
rompe pelos caminhos e sibila
nas folhas.

Inclino-me, mas não parto...

Como as árvores, tenho raízes
que me prendem ao chão
e ramos no lugar dos braços.

Como elas, acolho, sem os abraçar,
os pássaros que buscam agasalho

Oiço-os cantar – e quero ser ave.
Vejo-os voar – e quero, no lugar dos ramos,
no lugar dos braços, ter asas.

deep, abril de 2015

Em repetição por aqui.

segunda-feira, abril 23, 2018

O que apetece


Maxwell Doig

... mas, por ora, não pode ser.

Celebrar o livro

«Os livros, esses animais opacos por fora, essas donzelas. Os livros caem do céu, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chão, explodem em silêncio. Tudo neles é absoluto, até as contradições em que tropeçam. E estão lá, aqui, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia. Devemos-lhes tanto, até a loucura, até os pesadelos, até a esperança em todas as suas formas.»
José Luís Peixoto, Abraço


Maria Helena Vieira da Silva, "A Biblioteca", 1949



segunda-feira, fevereiro 19, 2018

Do baú...


Soizick Meister
Magros de sentimentos
Arrastamo-nos por dias
De modorra e de silêncio.

Buscamos, na luz opaca,
Agasalho para um coração
exilado de abraços e de ternura.

Procuramos, na monótona cor,
a flor rubra, o sopro
que nos falha, a voz
que em nós finda.

Deslizamos, sonâmbulos,
pela berma do que fomos,
onde não restam seiva ou sangue,
onde já não pousam cantos
nem voos de aves.

Ali, onde as sementes
se esqueceram
de amadurecer flores.
Ali, onde nos sobram horas
e braços
para tão pouca vida.

deep, Abril de 2013

segunda-feira, janeiro 29, 2018

Tanta gente


Caspar David Friedrich, Caminhante sobre o mar de névoa (1818)

«Todos estamos sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta. Tanta gente, Mariana! E ninguém vai fazer nada por nós. Ninguém pode. Ninguém queria, se pudesse. Nem uma esperança.»

Maria Judite de Carvalho, Tanta gente, Mariana

segunda-feira, outubro 30, 2017

Antes o mito



(Pintura de Erica Hopper)
Somos muitas vezes Penélope
tecendo, não a esperança,
mas as horas que suprimem
a presença de Ulisses

Não é o herói de Tróia
que esperamos.
Antes o mito.

Deep, março de 2017

Tosco devaneio resgatado do baú...

sábado, junho 03, 2017

Anónima e silenciosa


Pintura de Graça Morais

Os vários filhos e netos saíram da igreja, na frente do cortejo, amparados pelos  respectivos companheiros. Cada um entregue à sua dor. No meio da multidão (ele era um senhor conhecido e respeitado), atónita e curvada, seguia a companheira de muitos anos (mais de meio século), guiada pela mão diligente do funcionário da funerária, que a segurava pelo cotovelo esquerdo. Seguia, como sempre fez, anónima, silenciosa e discreta até na dor.

segunda-feira, abril 03, 2017

Traz-me uma casa do horizonte deserto


Edward Hopper, "Lighthouse hill"

Traz-me uma casa do horizonte deserto
lá onde o mar começa
e os meus olhos se fecham
trá-la pela carne da vaga
pedra a pedra conseguida
trá-la vaga, descoberta
de franquia, porta aberta
trá-la de coral e de limos
há-de reluzir nas colinas
há-de crescer de guarida
para quem nela entre e habite
trá-la hoje a hora que o sol posponte
e se veja já no horizonte
janelas, portadas abertas
gente a entrar, a sair delas
encontrando tesouros
fazendo descobertas.

Há séculos que não há caravelas
mas ainda se queimam círios
em muitas casas por dentro
sem rosto sem remetente
sem que um pássaro
possa desabrochar numa flor.

José Ribeiro Marto, Pastoreio

Com votos de feliz aniversário ao autor!

segunda-feira, fevereiro 27, 2017

Poema quotidiano



Imagem de Jamie Heiden

É tão depressa noite neste bairro 
Nenhum outro porém senhor administrador 
goza de tão eficiente serviço de sol 
Ainda não há muito ele parecia 
domiciliado e residente ao fim da rua 
O senhor não calcula todo o dia 
que festa de luz proporcionou a todos 
Nunca vi e já tenho os meus anos 
lavar a gente as mãos no sol como hoje 
Donas de casa vieram encher de sol 
cântaros alguidares e mais vasos domésticos 
Nunca em tantos pés 
assim humildemente brilhou 
Orientou diz-se até os olhos das crianças 
para a escola e pôs reflexos novos 
nas míseras vidraças lá do fundo 

Há quem diga que o sol foi longe demais 
Algum dos pobres desta freguesia 
apanhou-o na faca misturou-o no pão 
Chegaram a tratá-lo por vizinho 
Por este andar... Foi uma autêntica loucura 
O astro-rei tornado acessível a todos 
ele que ninguém habitualmente saudava 
Sempre o mesmo indiferente 
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados 
Íamos vínhamos entrávamos não víamos 
aquela persistência rubra. Ousaria 
alguém deixar um só daqueles raios 
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas? 

Mas hoje o sol 
morreu como qualquer de nós 
Ficou tão triste a gente destes sítios 
Nunca foi tão depressa noite neste bairro 

Do poeta Ruy Belo, que nasceu num dia 27 de Fevereiro (1933)

domingo, fevereiro 12, 2017

Trabalhos de ourives


Maluda, "Romã", 1984
O amor era o avô
a descascar uma romã
para a avó.
As mãos trémulas,
inexactas,
o vagar do mundo
ou mundo devagar.
A tarde inteira uma romã
ou uma romã inteira.
Enquanto a avó na mesma sombra ao seu lado,
gato no regaço, dormia a sesta.


Raquel Serejo Martins, Aves de incêndio

quarta-feira, fevereiro 08, 2017

Dime cual es el puente


David Cunningham, "Reflections over 3rd Ave"

Dime cuál es el puente que separa
tu vida de la mía,
en qué hora negra, en qué ciudad lluviosa,
en qué mundo sin luz está ese puente
yo lo cruzaré.



Amalia Bautista

quinta-feira, fevereiro 02, 2017

Chegamos de mãos vazias


Edward Hopper, "Hotel New York"
Chegamos de mãos vazias.
Trazemos os ouvidos
cansados de muitas histórias inúteis, 
o olhar vago, o coração gasto
de tantas esperas vãs...
Do amor não sobra mais
do que a espuma do café
que borda o interior da chávena,
a esperança, essa, parece querer partir
na primeira passa do cigarro
que fumamos apressados...
Como se alguém nos esperasse
num qualquer aconchego,
como se houvesse ainda
caminhos que valha a pena
palmilhar,
como se pudesse
ainda um qualquer rio
conduzir-nos à imensidão
do mar, em que possamos,
para sempre,
perder-nos...

deep, Janeiro de 2013

terça-feira, janeiro 24, 2017

Sombras

[...]

As pessoas - tu sabes - as pessoas são feitas 
de vento 
e deixam-se arrastar pela mais bela 
respiração das sombras, 
pela morte que repete os mesmos gestos 
quando o crepúsculo fica a sós connosco 
e a noite se redime com uma estrela 
a prometer salvar-nos.


[...]


Fernando Pinto do Amaral, Pena Suspensa