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sábado, fevereiro 23, 2019

Yo, señor, no soy malo

«Yo, señor, no soy malo, aunque no me faltarían motivos para serlo.» - assim começa a autobiografia fictícia de Pascual Duarte, figura central da novela de Camilo José Cela, A Família de Pascual Duarte, publicada pela primeira vez em 1942.
                Com o intuito de conferir verosimilhança ao relato de Pascual Duarte, o autor apresenta-o como um manuscrito que o protagonista teria escrito enquanto esteve preso em Badajoz e que teria enviado, em 1937, a um conhecido seu, para que fosse publicado, tornando, assim, públicos os motivos dos vários crimes que cometera. Cela, em notas anteriores e posteriores ao discurso do protagonista, faz-nos acreditar que o manuscrito teria sido encontrado no balcão de uma farmácia na localidade de Almendralejo, pelo próprio transcritor. Entre essas notas, encontra-se a carta em que o prisioneiro recomendava a publicação do seu manuscrito.
                Pascual Duarte, habitante numa pequena aldeia do interior de Espanha, dá-nos conta, no seu relato, de que a vida lhe trouxe mais dissabores do que alegrias. Testemunha de um mundo em que prevalece o trágico, torna-se uma pessoa amarga e intempestiva, a vítima de um destino inexorável, que o conduz à perdição. É, aliás, ao destino que ele atribui a responsabilidade pela sequência de assassinatos que comete, que tem início com a morte da cadela, a Chispa, e que termina com a morte da própria mãe.
                Pela violência das descrições e pela crueza de linguagem que perpassam nas suas páginas, a primeira obra de Cela viu-se, em pleno franquismo, entre os livros proibidos e rotulada como precursora de um estilo literário que, em Espanha, ficou conhecido como “Tremendismo”.
                Camilo José Cela, que nasceu em Iria Flávia (Corunha), em 1916, e faleceu em Madrid, em 2002, foi galardoado, em Espanha, com o Prémio Nacional de Literatura e com o Prémio Príncipe das Astúrias. Em 1989, a academia sueca atribuiu-lhe o Prémio Nobel, pelo conjunto da sua obra.

                Da sua vasta obra, destacam-se, além de A Família de Pascual Duarte, A Colmeia (1951), São Camilo (1969) e Mazurca para Dois Mortos (1983).

[Texto escrito para a rubrica "Os livros que nos devoram" (título inspirado em Os livros que devoraram o meu pai, do Afonso Cruz), do Pomar de Letras]

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Quando a realidade se confunde com a ficção

"Tenía una perrilla perdiguera –la Chispa-, medio ruin, medio bravía, pero que se entendía muy bien conmigo; con ella me iba muchas mañanas hasta la Charca, a legua y media del pueblo hacia la la raya de Portugal, y nunca nos volvíamos de vacío para casa. Al volver, la perra se me adelantaba y me esperaba siempre junto al cruce; había allí una piedra redonda y achatada como una silla baja, de la que guardo tan grato recuerdo como de cualquier persona; mejor, seguramente, que el que guardo de muchas de ellas...(...) La perrilla, se sentaba enfrente de mí, sobre sus dos patas de atrás, y me miraba, con la cabeza ladeada, con sus dos ojillos castaños muy despiertos; yo le hablaba y ella, como si quisiere entenderme mejor, levantaba un poco las orejas;(...) y hubo un día que debió parecerme tan triste por mi marcha , que no tuve más suerte que volver mis pasos y sentarme de nuevo... La perra volvió a echarse frente a mí y volvió a mirarme; ahora me doy cuenta de que tenía la mirada de los confesores, escrutadora y fría, como dicen que es la de los linces...Un temblor recorrió todo mi cuerpo; parecía como una corriente que forzaba por salirme por los brazos. El pitillo se me había apagado; la escopeta, de un solo caño, se dejaba acariciar, lentamente, entre mis piernas. La perra seguía mirándome fija, como si no me hubiera visto nunca, como si fuese a culparme de algo de un momento a otro, y su mirada me calentaba la sangre de las venas de tal manera que se veía llegar el momento en que tuviese que entregarme; hacía calor, un calor espantoso, y mis ojos se entornaban dominados por el mirar, como un clavo, del animal...Cogí la escopeta y disparé; volví a cargar y volví a disparar."

Há pessoas que sempre que suspeitam que alguém é testemunha das suas fraquezas, tratam logo de disparar para matar e, quando tal acontece, invariavelmente ocorre-me esta passagem de La familia de Pascual Duarte do Camilo José Cela.