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quinta-feira, março 28, 2019

Beber horas roubadas

Chama-se amor a isto:
beber horas roubadas,
no receio constante
de que alguém as descubra
(assim se tem cadastro!);
morder com pressa
a polpa dos minutos,
sem lhes sorver o sumo,
sem lhes tirar a casca
(assim se apanham úlceras!);
ter este modo brusco
de engolir os segundos,
como se fossem cápsulas
de qualquer barbitúrico
(assim se morre às vezes!)
O culpado: este cão
que trazemos bem preso,
todo agarrado ao pulso,
e a que chamamos Tempo.
(sempre a ganir de susto.)

David Mourão-Ferreira

segunda-feira, março 05, 2018

A poesia que vem ter comigo

Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.
Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!
Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!
David Mourão-Ferreira, À Guitarra e à Viola

sábado, março 18, 2017

Fim de estação

E pronto Pouco a pouco vou perdendo
o gosto de nadar debaixo de água
as ganas de amar quatro ao mesmo tempo
as garras de agarrar quem não me agarra
Mas vou ganhando aos poucos o silêncio
que por dentro da noite a noite rasga

David Mourão-Ferreira

quinta-feira, janeiro 05, 2017

Não foi nada, não foi nada

Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua. . .
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!

Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.

Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.

David Mourão Ferreira

quarta-feira, fevereiro 24, 2016

E por vezes



E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos  E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites   não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
David Mourão-Ferreira (que nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1927)

terça-feira, março 18, 2014

Soubéssemos...

Soubéssemos ao menos a matéria
de que é feito o que em nós não é matéria

David Mourão-Ferreira

Tempestades

São de nada tempestades
ante a falta que me fazes.

David Mourão-Ferreira

domingo, dezembro 22, 2013

Prelúdio de Natal

Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas

Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas

a festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas

A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas

David Mourão-Ferreira

quinta-feira, agosto 15, 2013

E por vezes

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
Num segundo se evolam tantos anos


David Mourão Ferreira

Penso que já postei antes este poema por aqui. Hoje deu-me vontade de o postar de novo.

quinta-feira, junho 16, 2011

E por vezes...

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes


encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes


ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos


E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.


David Mourão Ferreira (que partiu no dia 16 de Junho de 1996)