quinta-feira, março 28, 2019

Beber horas roubadas

Chama-se amor a isto:
beber horas roubadas,
no receio constante
de que alguém as descubra
(assim se tem cadastro!);
morder com pressa
a polpa dos minutos,
sem lhes sorver o sumo,
sem lhes tirar a casca
(assim se apanham úlceras!);
ter este modo brusco
de engolir os segundos,
como se fossem cápsulas
de qualquer barbitúrico
(assim se morre às vezes!)
O culpado: este cão
que trazemos bem preso,
todo agarrado ao pulso,
e a que chamamos Tempo.
(sempre a ganir de susto.)

David Mourão-Ferreira

10 comentários:

  1. O tempo é lixado

    sempre, tic tic, tic tic

    não para nem abranda por ninguém

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    Respostas
    1. "Jamais se detém Kronos cujo passo/ Vai sempre mais à frente/Do que o teu próprio passo.", escreveu a Sophia. Kronos é o deus impiedoso, que devora os próprios filhos, Luís. :)

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    2. mau deus, mau!

      mas olha é uma excelente descrição da coisa...

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  2. A poesia do David Mourão-Ferreira é sempre excelente. Sim, o tempo é culpado das muitas coisas. Com o que fazemos vamos construindo aquilo a que chamamos passado. Quer queiramos, quer não.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  3. É bom contarmos pelos dedos o instante que segue
    sem perder a memória

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  4. É bom contar pelos dedos o instante que segue
    sem perder a memória

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  5. Meu Deus... eu leio uma poesia dessas e me vem à cabeça a dúvida:
    Será que um dia farei um poema tão forte como esse (assim se descobrem nossos pequenos defeitos!)
    Beijos desse lado de cá do Mundo!!!

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  6. É o tempo que nos sustem a alma.
    É a vida que nos liberta da sua tirania.
    Somos nós que o vencemos!

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