letras são papéis
que a chuva molha, que o fogo consome, que o vento leva, que o tempo apaga...
domingo, dezembro 29, 2024
Boas Festas e votos de um 2025 feliz...
... para quem (ainda) passa.
Velho, velho, velho
Chegou o Inverno.
Vem de sobretudo,
Vem de cachecol,
O chão onde passa
Parece um lençol.
Esqueceu as luvas
Perto do fogão:
Quando as procurou,
Roubara-as um cão.
Com medo do frio
Encosta-se a nós:
Dai-lhe café quente
Senão perde a voz.
Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.
Eugénio de Andrade, Aquela nuvem e outras
domingo, dezembro 15, 2024
Caríssima Poesia,
escrevo-te com a certeza de que não me faltarás, de que, no momento oportuno, chegarás com as palavras certas. Como duvidar, se nunca me falhaste?
Vem da infância este amor
intenso. Ensinaste-me, então, as rimas e a reconhecer os ritmos e, com eles, o
prazer do jogo, o gosto de destravar a língua, de me enganar e de começar de
novo. Apontaste-me as metáforas, as hipérboles e as comparações. Sugeriste-me
sentidos ocultos, nas curvas dos versos.
Seria hoje a mesma pessoa sem
ti? Saberia ler o mundo da mesma forma, se não tivesse privado contigo e com os
poetas que te estimam? Não creio, Poesia.
Pela tua mão e pela voz dos
poetas (e são tantos!), aprendi a nomear o amor e o desamor, o encontro e o
desencontro, a plenitude e o vazio, a felicidade e a dor. Não há nada que não
caiba no teu seio. É inesgotável.
Poesia, percebo que guardas as
memórias dos homens, que os instigas, que lhes dás voz. Também por isso te
admiro, minha amiga. Também por isso te invejo e almejo imitar-te. Mas faltam-me
as palavras e a erudição, falta-me essa intimidade com os poetas – os maiores
-, falta-me essa grandeza que te nutre e te eleva.
Sabes bem que a nossa relação
não tem sido pacífica. És o meu céu, mas podes também ser o meu inferno. Se há
vezes em que te entranhas, outras há em que te estranho.
Sabes ser doce e apaziguadora e,
por isso, te estimo e te procuro. Porém, podes revelar-te fria e implacável.
Nesses momentos, dizes o que não quero ouvir, abres as feridas que teimam em
não sarar, obrigas-me a olhar-me ao espelho e eu não gosto do que vejo no
espelho. Nesses momentos, odeio-te, sofro a urgência de cortar de vez contigo. Porém,
volto sempre, como se volta a um velho amigo que nos magoou. Por hábito? Por
amor?
Escrevo-te na esperança de obter
respostas. Eu sei que nunca me faltas!
Da sempre amiga,
L.
Esta "carta" resultou de um repto que me lançaram para participar num projeto que foi ontem, dia 14 de dezembro, consumado e que integrou as celebrações dos 5 anos do selo UNESCO, atribuído aos Caretos de Podence.
Infelizmente, por impedimentos familiares e profissionais, não pude fazer parte da festa, mas sei que esta minha carta foi parar às mãos e - quem sabe? - ao coração de alguém.
quarta-feira, dezembro 04, 2024
As atitudes ficam com quem as tem
Dirigiu-se a mim com a simpatia habitual.
«Sabe, já está trabalhar.» - disse, referindo-se ao filho. «Estão muito contentes com o trabalho dele. Até vai ficar efetivo na empresa.», acrescentou, orgulhosa.
«Fico muito contente, ele merece.», disse-lhe.
«Obrigada. Também tem responsabilidade no sucesso dele. A verdade tem de ser dita.», rematou, antes de se despedir.
Concluídas as minhas compras, dirigi-me à caixa para pagar. À minha frente, seguia, na companhia de uma criança pequena, um jovem que reconheci de imediato. A certa altura, voltou-se para trás e olhou para mim com a indiferença de quem olha para uma desconhecida.
Trabalhou comigo há alguns anos, durante meses. Nesse tempo, era afável e divertido. O tempo não lhe levou apenas o cabelo. Levou-lhe a gentileza e a simpatia.
Naquele momento, perguntei-me: o que terá este jovem para ensinar ao mais jovem que leva pela mão?
sábado, setembro 28, 2024
Rimas prontas para pessoas tontas
terça-feira, setembro 24, 2024
A minha memória anda a trair-me,
por isso, deixei passar o aniversário da ana e da CC...
Para ambas, Parabéns atrasados e votos de muitos momentos felizes!
(As ofertas: um poema da Graça Pires, presença assídua nesta "casa", e uma imagem outonal da minha autoria.)
Indago a forma definitiva do outono.Um diálogo pode mudar a paisagem.
Fazer nascer um poema.
Criar obsessões.
Destruir emboscadas.
Cada instante é a metamorfose
de uma asfixia interior.
Confundo os caracteres e um imaginário
se revela numa iconografia fantástica.
Nas entrelinhas, um espectáculo de ironias
reitera entregas e recusas
como um dever por cumprir.
Graça Pires, Outono: lugar frágil, 1994