domingo, setembro 28, 2025

Cores de outono

Ontem, foi dia de vindima e de convívio em família. À socapa, procurando não descurar o trabalho, fui captando alguns pormenores outonais.


    





 

Vale mais tarde...

 Parabéns, ana e CC!

Votos de dias muito felizes.

Hoje só tenho para oferecer uma paisagem do meu paraíso e um poema do transmontano (e muito premiado) A. M. Pires Cabral.



Não me mostres nenhum norte
nem estradas para lá:
são tudo embustes.

Mostra-me antes pedras, folhas mortas
de Outono atapetando o chão das matas,
voos de libelinha rasando o sol poente,
cândidas risadas infantis.

Quero eu dizer: mostra-me coisas
daquelas que se corrompem sem pressa.


quarta-feira, junho 25, 2025

Sinais dos tempos

Com quinze anos, quase como hoje, preferia vestir e calçar tudo o que fosse prático: t-shirts ou camisas, calças de ganga, ténis ou sandálias. Usava o cabelo curto e nunca me maquilhava. Aliás, não havia nas minhas gavetas qualquer produto com o qual pudesse fazê-lo. 

Acontecia o mesmo com quase todas as jovens com as quais convivia. Algumas, esmeravam-se um pouco na roupa e na maquilhagem, em dias de festa.

Penso que havia uma certa liberdade nessa forma de estar. Sobrava-nos também mais tempo. Escolher roupa, para o dia-a-dia ou para sair à noite, testar e fazer a maquilhagem roubam tempo e sossego, sobretudo porque há a preocupação de que tudo fique impecável, para nos sentirmos bem ou para causarmos impacto nos outros.

Noto que, atualmente, a norma é o contrário daquilo que fui. As raparigas começam ainda antes dos 14/15 anos a preocupar-se com a imagem. Maquilham-se diariamente, fazem as unhas como se fossem adultas e são vítimas da moda, comprando desenfreadamente roupa, calçado e acessórios, de que rapidamente se cansam, para imitar ídolos e influencers.

Vivo dividida entre a admiração que sinto por esta geração que tem gosto em cuidar da imagem, em ousar, umas vezes um pouco, outras mais, e a preocupação com esta importância que se dá em demasia à imagem e ao consumismo.

Estarei a ficar velha?

sábado, março 22, 2025

Aconteceu-me um poema


 Aconteceu -me um poema.

Não era longo, nem erudito.
Era apenas a leve pena
de um pássaro no meu ombro,
a luz coada que me chegou
da infância,
o cheiro a feno...
Aconteceu -me um poema.
Ou talvez não fosse um poema.
Apenas um eco, uma brisa,
um grão de areia a morder-me
a memória...
Talvez fosse somente
esse aroma verde de mentrastos,
tinta de amoras nos dedos.
Talvez não fosse um poema...
Para se escrever um poema,
dizem os entendidos,
é preciso ser-se poeta,
é preciso saber escandir os versos,
acertar a métrica, o ritmo e,
com inteligência, a rima.
Para se ser poeta, é preciso que alguém
nos conceda o nome e o estatuto.
É preciso saber usar, com mestria,
figuras de retórica e insinuar sentidos ocultos.
É provável que não me tenha acontecido,
afinal, um poema,
mas vi nascer na página algo que lembra
uma flor a brotar no asfalto.

deep, julho de 2024

Na verdade, não sendo poetisa, aconteceu-me apenas um "devaneio"...
Imagem captada nas Furnas, São Miguel (2022)

Toda a poesia

 Toda a poesia

é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede

Imagens captadas em São Miguel, há alguns anos

segunda-feira, março 10, 2025

A Natureza não faz pausas...

 Alheia ao que sentimos, às cores lúgubres que se instalam dentro de nós, a Primavera chega, para tingir de cor os campos.



domingo, dezembro 29, 2024

Sei


Reinaldo Ferreira, Poemas
(Trazido da página "O poema ensina a cair - Ainda")

 

Boas Festas e votos de um 2025 feliz...

 ... para quem (ainda) passa.



INVERNO

Velho, velho, velho
Chegou o Inverno.

Vem de sobretudo,
Vem de cachecol,
O chão onde passa
Parece um lençol.

Esqueceu as luvas
Perto do fogão:
Quando as procurou,
Roubara-as um cão.

Com medo do frio
Encosta-se a nós:
Dai-lhe café quente
Senão perde a voz.

Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.

Eugénio de Andrade, Aquela nuvem e outras 

Ver menos


domingo, dezembro 15, 2024

Caríssima Poesia,

 

                escrevo-te com a certeza de que não me faltarás, de que, no momento oportuno, chegarás com as palavras certas. Como duvidar, se nunca me falhaste?

                Vem da infância este amor intenso. Ensinaste-me, então, as rimas e a reconhecer os ritmos e, com eles, o prazer do jogo, o gosto de destravar a língua, de me enganar e de começar de novo. Apontaste-me as metáforas, as hipérboles e as comparações. Sugeriste-me sentidos ocultos, nas curvas dos versos.

                Seria hoje a mesma pessoa sem ti? Saberia ler o mundo da mesma forma, se não tivesse privado contigo e com os poetas que te estimam? Não creio, Poesia.

                Pela tua mão e pela voz dos poetas (e são tantos!), aprendi a nomear o amor e o desamor, o encontro e o desencontro, a plenitude e o vazio, a felicidade e a dor. Não há nada que não caiba no teu seio. É inesgotável.

                Poesia, percebo que guardas as memórias dos homens, que os instigas, que lhes dás voz. Também por isso te admiro, minha amiga. Também por isso te invejo e almejo imitar-te. Mas faltam-me as palavras e a erudição, falta-me essa intimidade com os poetas – os maiores -, falta-me essa grandeza que te nutre e te eleva.

                Sabes bem que a nossa relação não tem sido pacífica. És o meu céu, mas podes também ser o meu inferno. Se há vezes em que te entranhas, outras há em que te estranho.

                Sabes ser doce e apaziguadora e, por isso, te estimo e te procuro. Porém, podes revelar-te fria e implacável. Nesses momentos, dizes o que não quero ouvir, abres as feridas que teimam em não sarar, obrigas-me a olhar-me ao espelho e eu não gosto do que vejo no espelho. Nesses momentos, odeio-te, sofro a urgência de cortar de vez contigo. Porém, volto sempre, como se volta a um velho amigo que nos magoou. Por hábito? Por amor?

                Escrevo-te na esperança de obter respostas. Eu sei que nunca me faltas!

                Da sempre amiga,

                               L.

Esta "carta" resultou de um repto que me lançaram para participar num projeto que foi ontem, dia 14 de dezembro, consumado e que integrou as celebrações dos 5 anos do selo UNESCO, atribuído aos Caretos de Podence.

Infelizmente, por impedimentos familiares e profissionais, não pude fazer parte da festa, mas sei que esta minha carta foi parar às mãos e - quem sabe? - ao coração de alguém.

quarta-feira, dezembro 04, 2024

As atitudes ficam com quem as tem

 Dirigiu-se a mim com a simpatia habitual. 

«Sabe, já está trabalhar.» - disse, referindo-se ao filho. «Estão muito contentes com o trabalho dele. Até vai ficar efetivo na empresa.», acrescentou, orgulhosa. 

«Fico muito contente, ele merece.», disse-lhe.

«Obrigada. Também tem responsabilidade no sucesso dele. A verdade tem de ser dita.», rematou, antes de se despedir.

Concluídas as minhas compras, dirigi-me à caixa para pagar. À minha frente, seguia, na companhia de uma criança pequena, um jovem que reconheci de imediato. A certa altura, voltou-se para trás e olhou para mim com a indiferença de quem olha para uma desconhecida.

Trabalhou comigo há alguns anos, durante meses. Nesse tempo, era afável e divertido. O tempo não lhe levou apenas o cabelo. Levou-lhe a gentileza e a simpatia. 

Naquele momento, perguntei-me: o que terá este jovem para ensinar ao mais jovem que leva pela mão?