domingo, agosto 22, 2010

Domingo e poesia

Percebo agora


Percebo agora 
Que já não sei a cor dos teus olhos.


Perdi o teu sentido há tanto tempo...


Eu era uma menina,
E dei-te a mão
Como se a tua morada,
De repente,
Fosse a minha direcção.


Já não reconheço os teus dedos.


Caminhamos dias e dias
Esquecendo que algures
Eu devia pertencer a alguém.


Não alcanço já a tua sombra.


Deixaste-me ficar por fim,
À beira de um rio
Onde lavaste o corpo e empenhaste a alma
Para dizer adeus sem culpa.


E hoje já não sei
Se foste tu ou eu
Quem omitiu o retorno.


Virgínia do Carmo, Tempos Cruzados


Outros poetas


Há monstros nas sombras daquilo
que toco, sem notar existir
vagueiam prateleiras forradas
a livros, uniões de facto,


íntimas de mim. Há silêncios
na casa, que implodem e suplicam
sobrevivências num rasto vermelho
fogo - emergido à contra-luz duma


taciturna madrugada. Devo-lhes 
esse silêncio, o sangue frio em reunião
com as palavras que respiram e se aclaram
noutros monstros


                                            [de vozes inquietas


que me sussurram e despertam
para outras vidas, outras paragens.


Miguel Pires Cabral, Café Solo


Ontem, tive a sorte de encontrar e de ouvir, numa tertúlia intitulada "Os Prazeres e as Dores da Escrita", os dois poetas. Aproveitei para lhes "roubar" autógrafos.

10 comentários:

  1. Conheço e aprecio a poesia da Virgínia do Carmo.
    Do Miguel Pires Cabral, acho que apenas li este poema, que gostei imenso.
    Querida amiga, bom Domingo e boa semana.
    Beijos.

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  2. Até hoje para mim eras apenas a Deep, e isso bastava-me; mas fiquei feliz por saber que por detrás da Deep existe a Luísa!

    Um grato abraço!

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  3. Com um novo rosto ou mudado o letras surpreende-me agradavelmente . Estás de parabéns pela poesia e pela mudança neste Verão .
    Foi vir aqui eu que tenho andado afastado.
    Um abraço
    _______ JRMARTO

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  4. Escrever ... ler ...



    usufruir.



    imaginar rostos.


    associar.




    ... e ver, depois, as caras reais.

    ... e pedir autógrafos.



    Tudo poesias. ****

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  5. Bem pensado e melhor partilhado :)

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  6. Gostei muito do poema da Virgina do Carmo.Elsa

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  7. Aqui há tempos atrás fui fazer uma visita ao escritor J. Rentes de Carvalho. Fui municiado com o "Ernestina" e pedi-lhe um autógrafo. Ele virou-se para mim e perguntou: "e para que quer o autógrafo?".
    Desarmou-me por completo. E deixou-me a pensar: realmente, para que servem os autógrafos?
    Boas leituras...

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  8. Os autógrafos são uma forma do leitor ir ter com o escreve. Os autógrafos podem ser um pretexto mas podem ser um motivo, também. Quantos romances começaram com um autógrafo! Quantos namoros podem começar com um autógrafo! E quantas vezes - quantas vezes! - num autógrafo está uma entrega total de quem o escreve. Não há só os autógrafos de circunstância ou os que se escrevem só por escrever...

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  9. Tens um "em" a mais no poema de Miguel Pires Cabral...

    Onde se lê:

    "com as palavras "em" que respiram e se aclaram..."

    deve ler-se:

    "com as palavras que respiram
    e se aclaram..."

    Excelentes escolhas, gostei do blogue...

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  10. "Anónimo" (??), obrigada pelo reparo. Já corrigi. Obrigada também pelo elogio e pela visita.

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