Como sou uma privilegiada, pude assistir ao ensaio geral, de que me ficaram algumas impressões:
O teatro tem o dom, que partilha
com outras formas de arte, de nos fazer rir, de nos comover, de nos obrigar a
ver a realidade com outros olhos. Assim acontece com “A Peça (em 4 Turnos)”, o
novo trabalho da Peripécia Teatro, que alia, como a companhia nos tem
habituado, ao talento e à versatilidade, a reflexão sobre o que não convém
esquecer e algumas notas de cómico.
Em
palco, quatro atores e um músico, que é também, a seu tempo, interveniente na
ação como personagem. A música, ora melódica, ora agressiva, marca a
dramaticidade ou a conflituosidade, interior ou exterior, da ação. São também
protagonistas algumas bicicletas, polivalentes nas suas funções. O movimento
das rodas traduz a monotonia dos dias e do trabalho árduo e mecânico, a
vigilância e a opressão das forças visíveis e ocultas do poder, ininterruptas -
como as máquinas e como os turnos - e opressivas.
“A
Peça (em 4 Turnos)” é uma peça sobre opressores e oprimidos, sobre patrões e
operários, sobre o medo e a delação, a luta e a resistência, mas também sobre a
liberdade (e a libertação), o amor, a amizade e o companheirismo.
Quatro
são os turnos das grandes fábricas, mas quatro são também as vidas reais trazidas
a cena pelos atores.
“A
Peça (em 4 Turnos)” revela-se uma reflexão sobre o compromisso que a arte, em
particular o teatro, deve ter com as pessoas, a lembrar Brecht ou Sttau
Monteiro. Por isso, em cena, há operários que, nas (escassas) horas livres, são
atores – ou pretendem sê-lo. Para driblar a opressão. Para enfrentar a
vigilância do Estado e da Igreja. Para contrariar a monotonia. Para se fazerem
ouvir. Para poderem ser o que quiserem, tendo a ilusão de que, sendo outros, o
mundo é mais justo e os dias menos penosos. Para acordarem e agitarem consciências.
Para que as pessoas abram as cabeças. São operários de punho erguido, com
“consciência operária”, como alguém refere na própria peça.
Neste
novo trabalho da Peripécia Teatro,
entretecem-se fios de diferentes épocas e diferentes vozes. Nele, evocam-se as
ditaduras de Salazar, de Franco e de Pinochet e os poetas, de cá e de além-mar,
que os ditadores torturaram e mataram, mas não silenciaram, porque vivem na
memória das gerações seguintes. “A Peça (em 4 Turnos)” é (ainda) sobre o nosso
tempo, pois enquanto houver opressores e oprimidos não podemos deixar que a
cortina se feche.
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