quinta-feira, maio 05, 2022

A Peça (Em 4 Turnos)


... é o novo trabalho da Peripécia Teatro. Estreia hoje, às 21h30, no Teatro de Vila Real. 

Como sou uma privilegiada, pude assistir ao ensaio geral, de que me ficaram algumas impressões:

    O teatro tem o dom, que partilha com outras formas de arte, de nos fazer rir, de nos comover, de nos obrigar a ver a realidade com outros olhos. Assim acontece com “A Peça (em 4 Turnos)”, o novo trabalho da Peripécia Teatro, que alia, como a companhia nos tem habituado, ao talento e à versatilidade, a reflexão sobre o que não convém esquecer e algumas notas de cómico.

                Em palco, quatro atores e um músico, que é também, a seu tempo, interveniente na ação como personagem. A música, ora melódica, ora agressiva, marca a dramaticidade ou a conflituosidade, interior ou exterior, da ação. São também protagonistas algumas bicicletas, polivalentes nas suas funções. O movimento das rodas traduz a monotonia dos dias e do trabalho árduo e mecânico, a vigilância e a opressão das forças visíveis e ocultas do poder, ininterruptas - como as máquinas e como os turnos - e opressivas.

                “A Peça (em 4 Turnos)” é uma peça sobre opressores e oprimidos, sobre patrões e operários, sobre o medo e a delação, a luta e a resistência, mas também sobre a liberdade (e a libertação), o amor, a amizade e o companheirismo.

                Quatro são os turnos das grandes fábricas, mas quatro são também as vidas reais trazidas a cena pelos atores.

                “A Peça (em 4 Turnos)” revela-se uma reflexão sobre o compromisso que a arte, em particular o teatro, deve ter com as pessoas, a lembrar Brecht ou Sttau Monteiro. Por isso, em cena, há operários que, nas (escassas) horas livres, são atores – ou pretendem sê-lo. Para driblar a opressão. Para enfrentar a vigilância do Estado e da Igreja. Para contrariar a monotonia. Para se fazerem ouvir. Para poderem ser o que quiserem, tendo a ilusão de que, sendo outros, o mundo é mais justo e os dias menos penosos. Para acordarem e agitarem consciências. Para que as pessoas abram as cabeças. São operários de punho erguido, com “consciência operária”, como alguém refere na própria peça.

                Neste novo trabalho da Peripécia Teatro, entretecem-se fios de diferentes épocas e diferentes vozes. Nele, evocam-se as ditaduras de Salazar, de Franco e de Pinochet e os poetas, de cá e de além-mar, que os ditadores torturaram e mataram, mas não silenciaram, porque vivem na memória das gerações seguintes. “A Peça (em 4 Turnos)” é (ainda) sobre o nosso tempo, pois enquanto houver opressores e oprimidos não podemos deixar que a cortina se feche.


 

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