Somos só cansaço,
um cansaço velho, gasto, bafiento,
somos cansados incapazes de mudança,
sem memória da última dança,
do último beijo,
da palavra amor,
somos tempestades sem bonança,
somos o pior do outro,
assassinos de gestos de ternura,
assassinos de sonhos,
somos só censura, dentadura e ditadura,
somos serial killers,
somos inquilinos em processo judicial,
somos senhorios, somos gentios, somos doentios,
somos sempre Inverno,
somos sem chuva,
somos só gelo de congelador,
somos o frigorífico vazio,
somos as cadeiras à mesa vazias,
dois corpos na cama, dois montes de lixo,
duas lixeiras nos subúrbios da cidade,
a cama uma cidade entupida de trânsito,
vamos a lugar nenhum,
temos lugar nenhum,
a nossa tragédia, doméstica e particular,
e é Primavera, há canto de pássaros,
até no lixo nascem flores,
mas não nos tocamos, nem por acaso.
Raquel Serejo Martins
Surripiado do mural de Facebook da autora.
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