segunda-feira, dezembro 19, 2016

Toma lá cinco!

Encolhes os ombros, mas o tempo passa... 
Ai, afinal, rapaz, o tempo passa! 

Um dente que estava são e agora não, 
Um cabelo que ainda ontem preto era, 
Dentro do peito um outro, sempre mais velho coração. 
E na cara uma ruga que não espera, que não espera... 

No andar de cima, uma nova criança 
Vai bater no teu crânio os pequeninos pés. 
Mas deixa lá, rapaz, tem esperança: 
Este ano talvez venhas a ser o que não és... 

Talvez sejas de enredos fácil presa, 
Eterno marido, amante de um só dia... 
Com clorofila ficam os teus dentes que é uma beleza! 
Mas não rias, rapaz, que o ano só agora principia... 

Talvez lances de amor um foguetão sincero 
Para algum coração a milhões de anos-dor 
Ou desesperado te resolvas por um mero 
Tiro na boca, mas de alcance maior... 

Grande asneira, rapaz, grande asneira seria 
Errar a vida e não errar a pontaria... 

Talvez te deixes por uma vez de fitas, 
De versos de mau hálito e mau sestro, 
E acalmes nas feias o ardor pelas bonitas 
(Como mulheres são mais fiéis, de resto...) 

Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca


Do poeta que nasceu num dia 19 de Dezembro (1924).

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