(Foto de Silvestre Raposo)
«Uma coisa parecia certa: no
dia vinte e cinco de abril de mil novecentos e setenta e quatro, faltaria ainda
um bocado para as sete da manhã, Celestino apertou a cartucheira à cintura,
enfiou a Browning a tiracolo,
verificou o tabaco e as mortalhas, esqueceu-se do relógio pendurado num prego
que também segurava um calendário e saiu porta fora. (...) Por cima das sopas
de café com leite, Celestino emborcara, sem esforço, dois tragos de bagaço. O primeiro,
para a azia. O segundo, para os pensamentos cismáticos (...).
Por volta das onze horas,
nenhum vento de mudança fora ainda sentido por aqueles que viviam da cruel aritmética
dos alqueires, dos cinchos, das safras, das luas, das maleitas, das malinas,
das geadas. Nos campos, homens e mulas rasgavam a terra em irrepreensíveis
geometrias, enquanto, na penumbra dos currais, embaladas por ladainhas que os
próprios lábios iam tecendo, as mulheres atestavam as gamelas dos porcos, das
cabras, dos filhos.»
João Ricardo Pedro, O
teu rosto será o último
Adoro! :)
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