Não me reconheço como poeta, nem acredito que aquilo que
escrevo tenha algum valor literário, ainda assim, por vezes, gosto de alguns
devaneios meus. Hoje republico alguns.
I
Nessa tarde em que as aves
adivinhavam tempestades
recolhi as velas
e fiz-me barco ancorado.
Nessa tarde de sal e maresia
lancei os sonhos ao mar
e deixei que, num vaivém de espuma,
se fizessem ondas.
De olhos postos no horizonte em brasa,
fui concha e alga na orla do mar, fui farol...
E, no entanto, um maremoto me nascia no peito.
Outubro de 2012
II
Que deste outono,
Que se verte pelo chão
Em oiro e sangue,
Saiba colher o doce fruto
E agradecer o amor da terra
Que a meus pés se prostra.
Que nestes dias de sol morno
Em oiro e sangue,
Saiba colher o doce fruto
E agradecer o amor da terra
Que a meus pés se prostra.
Que nestes dias de sol morno
E luz macia
Não perca o trilho
Que há-de levar-me ao sul,
Ao mais íntimo de mim.
Que saiba perdoar o vento
Que, de mansinho, me despenteia
Os sonhos...
Setembro de 2012
III
Fecho os olhos
para que a noite
não perturbe
a memória da luz,
para que a brisa
seja só a leveza
de uma libélula
a roçar-me o rosto.
Caminho, tacteando,
e, sob os meus pés nus,
o chão de cascalho
é promessa do abismo.
Como os teus olhos...
Abril de 2012
para que a noite
não perturbe
a memória da luz,
para que a brisa
seja só a leveza
de uma libélula
a roçar-me o rosto.
Caminho, tacteando,
e, sob os meus pés nus,
o chão de cascalho
é promessa do abismo.
Como os teus olhos...
Abril de 2012
IV
Pairo na espuma dos dias.
Vislumbro o azul,
fugaz e distante azul
que eu beberia
em sorvos lentos
se pudesse...
Da sombra das árvores,
do pó dos caminhos,
do amargo aroma das giestas
guardo a doce memória
num sonho que, a pouco e pouco
se esvai...
Vislumbro o azul,
fugaz e distante azul
que eu beberia
em sorvos lentos
se pudesse...
Da sombra das árvores,
do pó dos caminhos,
do amargo aroma das giestas
guardo a doce memória
num sonho que, a pouco e pouco
se esvai...
Novembro de 2012
V
Fito estes montes,
onde o crepúsculo
é um laivo de sangue,
um eco de xisto...
Procuro, na luz rubra,
um grito de ave,
um corpo em chama
que me restituam a voz
e me devolvam à vida.
onde o crepúsculo
é um laivo de sangue,
um eco de xisto...
Procuro, na luz rubra,
um grito de ave,
um corpo em chama
que me restituam a voz
e me devolvam à vida.
Outubro de 2012
VI
Secaram-me os versos
quando o coração
no rigor dos dias se fez pedra.
Secou em mim o amor,
quando me recusaste a ternura líquida
dos teus olhos e o alimento
que ofertavas com as tuas mãos,
com o teu corpo em febre.
Tornaram-se secas as palavras,
até, noite após noite,
se perderem na negritude fria
das esperas.
Um grito de ave
corta o silêncio, fere a noite em cinza.
Afiada faca que dilacera,
que faz em pedaços o que era ainda
promessa em mim.
quando o coração
no rigor dos dias se fez pedra.
Secou em mim o amor,
quando me recusaste a ternura líquida
dos teus olhos e o alimento
que ofertavas com as tuas mãos,
com o teu corpo em febre.
Tornaram-se secas as palavras,
até, noite após noite,
se perderem na negritude fria
das esperas.
Um grito de ave
corta o silêncio, fere a noite em cinza.
Afiada faca que dilacera,
que faz em pedaços o que era ainda
promessa em mim.
Junho de 2011
VII
Oiço a tua voz - reconhecê-la-ia
ainda que, subitamente, falasses
outra língua...
Oiço a tua voz, dizia, e, dentro de mim,
um vulcão ameaça entrar em erupção
para, de seguida, se desfazer num rio de lava.
Oiço-a e, por instantes, sou pássaro
em sinuoso voo,
sou margem venturosa de um rio que,
por descuido, extravasa o leito.
Sonho-a e, nos meus sonhos, a tua voz,
desconhecida, outra,
perde-se dos meus dedos e da possibilidade
de a recolher límpida e inocente no meu colo.
Março de 2011
em sinuoso voo,
sou margem venturosa de um rio que,
por descuido, extravasa o leito.
Sonho-a e, nos meus sonhos, a tua voz,
desconhecida, outra,
perde-se dos meus dedos e da possibilidade
de a recolher límpida e inocente no meu colo.
Março de 2011
VII
Nesse mar de hortênsias e de agapantos,
em que fitas a rubra linha do horizonte,
ecoa um mar de terra, bordado de
urzes, giestas e saudades.
Nas duras noite de basalto,
traças, com dedos que são de xisto
e são de lava,
outros reinos maravilhosos
onde a limpidez do azul
assoma e a inocência se reflecte.
traças, com dedos que são de xisto
e são de lava,
outros reinos maravilhosos
onde a limpidez do azul
assoma e a inocência se reflecte.
Fevereiro de 2011
IX
Estão saradas todas as feridas:
as dos amores que partiram;
as dos amores que não chegaram a sê-lo;
as feridas das amizades
que se revelaram traições.Estão apaziguados os remorsos
das palavras ditas;
das palavras caladas;
dos passos em falso.
Outros virão, com ou sem aviso...Por ora, bastam-me estes olhos
para ver os crepúsculos,
bastam-me estas mãos com que cruzo os fios
que tecem os dias que reclamo meus
e só a mim pertencem...
as dos amores que não chegaram a sê-lo;
as feridas das amizades
que se revelaram traições.Estão apaziguados os remorsos
das palavras ditas;
das palavras caladas;
dos passos em falso.
Outros virão, com ou sem aviso...Por ora, bastam-me estes olhos
para ver os crepúsculos,
bastam-me estas mãos com que cruzo os fios
que tecem os dias que reclamo meus
e só a mim pertencem...
Setembro de 2010
X
(Quase) um
conselho
Sê ave
graciosa e insatisfeita
em inquieto voo.
Sê orvalho e sê brisa...
Sê a respiração da terra...
Nunca a
sombra
de corpos alheios,
nunca o vulto ancorado
em noites sem dono,
nunca barco naufragado
em investidas de mágoa.
Sê sobre tudo,
sobretudo vive.
Junho de 2010
XI
Quase um poema
Quero falar-te do silêncio
e de como, nas horas de degredo,
amor e ódio se confundem.
Quero contar-te como, nas esperas,
a alma se perde em devaneios,
como as mãos se afundam, esquecidas,
no regaço, sem vida que as eleve.
Quero ouvir-te clamar,
aos quatro ventos e aos deuses todos,
que o amor é só um jogo que eles
inventaram para iludir a solidão.
Fevereiro
de 2010
XII
Há um rumor
Há um rumor de folhagem
nas tardes lentas da infância,
e há vozes longínquas
que o calor estrangula.
Sentada no silêncio,
entregue à penumbra
estendo as mãos,
mas da limpidez
e da frescura das fontes
os dedos tocam só a memória.
De quando em quando,
há ainda uma rã que me ensina
o desgaste das pedras,
a verdura dos limos,
há ainda o odor dos pomos
que, debruçados,
trocam serenas palavras com a água.
Junho de 2009
XIII
Nem sempre no teu rosto
o silêncio é um plácido regato
onde me encontro e me espelho.
Nem sempre as aves
vêm saciar a sede
nas tuas mãos.
Nem sempre o teu peito
é porto de abrigo
onde amarro os meus sonhos
e aguardo o fim das tormentas.
Outubro de 2008
se isto não é poesia, então o que será.
ResponderEliminartodos sem excepção são muito bons.
eu gostei deveras.
beijo
Muito obrigada, Piedade.
ResponderEliminarBom fim-de-semana. :)
Beijo
E consegues muito bem, com as tuas fotos adicionar imagem, adequar uma imagem a cada poema ;)
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