sábado, janeiro 12, 2013

Republicando-me


Não me reconheço como poeta, nem acredito que aquilo que escrevo tenha algum valor literário, ainda assim, por vezes, gosto de alguns devaneios meus. Hoje republico alguns.

I

Nessa tarde em que as aves

adivinhavam tempestades
recolhi as velas
e fiz-me barco ancorado.

Nessa tarde de sal e maresia
lancei os sonhos ao mar
e deixei que, num vaivém de espuma,
se fizessem ondas.

De olhos postos no horizonte em brasa,
fui concha e alga na orla do mar, fui farol...
E, no entanto, um maremoto me nascia no peito.

Outubro de 2012

II

Que deste outono,
Que se verte pelo chão
Em oiro e sangue,
Saiba colher o doce fruto
E agradecer o amor da terra
Que a meus pés se prostra.

Que nestes dias de sol morno
E luz macia
Não perca o trilho
Que há-de levar-me ao sul,
Ao mais íntimo de mim.

Que saiba perdoar o vento
Que, de mansinho, me despenteia
Os sonhos...


Setembro de 2012

III

Fecho os olhos
para que a noite
não perturbe
a memória da luz,
para que a brisa
seja só a leveza
de uma libélula
a roçar-me o rosto.

Caminho, tacteando,
e, sob os meus pés nus,
o chão de cascalho
é promessa do abismo.

Como os teus olhos...

Abril de 2012

IV

Pairo na espuma dos dias.
Vislumbro o azul,
fugaz e distante azul
que eu beberia
em sorvos lentos
se pudesse...

Da sombra das árvores,
do pó dos caminhos,
do amargo aroma das giestas
guardo a doce memória
num sonho que, a pouco e pouco
se esvai...

Novembro de 2012

V

Fito estes montes,
onde o crepúsculo
é um laivo de sangue,
um eco de xisto...

Procuro, na luz rubra,
um grito de ave,
um corpo em chama
que me restituam a voz
e me devolvam à vida.

Outubro de 2012

VI

Secaram-me os versos
quando o coração
no rigor dos dias se fez pedra.

Secou em mim o amor,
quando me recusaste a ternura líquida
dos teus olhos e o alimento
que ofertavas com as tuas mãos,
com o teu corpo em febre.

Tornaram-se secas as palavras,
até, noite após noite,
se perderem na negritude fria
das esperas.

Um grito de ave
corta o silêncio, fere a noite em cinza.
Afiada faca que dilacera,
que faz em pedaços o que era ainda
promessa em mim.

Junho de 2011

VII

Oiço a tua voz - reconhecê-la-ia
ainda que, subitamente, falasses
outra língua...

Oiço a tua voz, dizia, e, dentro de mim,
um vulcão ameaça entrar em erupção
para, de seguida, se desfazer num rio de lava.
Oiço-a e, por instantes, sou pássaro
em sinuoso voo,
sou margem venturosa de um rio que,
por descuido, extravasa o leito.

Sonho-a e, nos meus sonhos, a tua voz,
desconhecida, outra,
perde-se dos meus dedos e da possibilidade
de a recolher límpida e inocente no meu colo.

Março de 2011

VII

Nesse mar de hortênsias e de agapantos,
em que fitas a rubra linha do horizonte,
ecoa um mar de terra, bordado de
urzes, giestas e saudades.

Nas duras noite de basalto,
traças, com dedos que são de xisto
e são de lava,
outros reinos maravilhosos
onde a limpidez do azul
assoma e a inocência se reflecte.

Fevereiro de 2011

IX

Estão saradas todas as feridas:
as dos amores que partiram;
as dos amores que não chegaram a sê-lo;
as feridas das amizades
que se revelaram traições.Estão apaziguados os remorsos
das palavras ditas;
das palavras caladas;
dos passos em falso.
Outros virão, com ou sem aviso...Por ora, bastam-me estes olhos
para ver os crepúsculos,
bastam-me estas mãos com que cruzo os fios
que tecem os dias que reclamo meus
e só a mim pertencem...

Setembro de 2010

X

(Quase) um conselho

Sê ave graciosa e insatisfeita
em inquieto voo.
Sê orvalho e sê brisa... 
Sê a respiração da terra...

Nunca a sombra 
de corpos alheios,
nunca o vulto ancorado 
em noites sem dono,
nunca barco naufragado
em investidas de mágoa.

Sê sobre tudo,
sobretudo vive.

Junho de 2010

XI

Quase um poema

Quero falar-te do silêncio
e de como, nas horas de degredo,
amor e ódio se confundem.

Quero contar-te como, nas esperas,
a alma se perde em devaneios,
como as mãos se afundam, esquecidas,
no regaço, sem vida que as eleve.

Quero ouvir-te clamar,
aos quatro ventos e aos deuses todos,
que o amor é só um jogo que eles
inventaram para iludir a solidão.

Fevereiro de 2010


XII

Há um rumor

Há um rumor de folhagem

nas tardes lentas da infância, 
e há vozes longínquas 
que o calor estrangula. 

Sentada no silêncio, 
entregue à penumbra 
estendo as mãos, 
mas da limpidez 
e da frescura das fontes
os dedos tocam só a memória. 

De quando em quando, 
há ainda uma rã que me ensina
o desgaste das pedras,
a verdura dos limos,
há ainda o odor dos pomos 
que, debruçados,
trocam serenas palavras com a água.

Junho de 2009

XIII

Nem sempre no teu rosto
o silêncio é um plácido regato
onde me encontro e me espelho.

Nem sempre as aves
vêm saciar a sede
nas tuas mãos.

Nem sempre o teu peito
é porto de abrigo
onde amarro os meus sonhos
e aguardo o fim das tormentas.


Outubro de 2008

3 comentários:

  1. se isto não é poesia, então o que será.

    todos sem excepção são muito bons.

    eu gostei deveras.

    beijo

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  2. Muito obrigada, Piedade.

    Bom fim-de-semana. :)

    Beijo

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  3. E consegues muito bem, com as tuas fotos adicionar imagem, adequar uma imagem a cada poema ;)

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