sábado, setembro 11, 2010

Insónia

(...)
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

(...)

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!
(...)

F. Pessoa-Álvaro de Campos

5 comentários:

  1. Pela hora da publicação, foi mesmo uma grande insónia!
    Bom domingo.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Há Pessoas que dizem coisas que eu gostaria só de saber recordar... e há Outras que sabem mm quando as devem recordar...

    bom começo de semana...

    bjokas, mtas

    maria3

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  4. Lídia, não foi das piores...

    maria3, quem dera saber usar as palavras como alguns poetas. Há outras pessoas que sabem senti-las...

    Boa semana para ambas. Beijocas

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  5. Esse manda muito bem...ainda mais como Álvaro de Campos...boa pedida!

    []s

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