sexta-feira, junho 18, 2010

Melhor do que falar do autor

é "ouvir" a sua voz:

(Marc Chagall)

"Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar. Conheceu todos os caminhos do pó e da lama, a branda areia, a pedra aguda, tantas vezes a geada rangente e assassina, dois nevões de que só saiu viva porque ainda não queria morrer. Tisnou-se de sol como um ramo de árvore retirado do lume antes de lhe chegar a hora das cinzas (...). Onde chegava, perguntava se tinham visto por ali um homem com estes e aqueles sinais, a mão esquerda de menos, e alto como um soldado da guarda real, barba toda grisalha, mas se entretanto a rapou, é uma cara que não se esquece, pelo menos não a esqueci eu (...). Julgavam-na doida, mas, se ela se deixava ficar por ali uns tempos, viam-na tão sensata em todas as mais palavras e acções que duvidavam da primeira suspeita de pouco siso. Por fim já era conhecida de terra em terra, a pontos de não raro a preceder o nome de Voadora."

José Saramago, Memorial do Convento

Até sempre.

4 comentários:

  1. Deep, "até sempre", sim. Não permitamos que a memória de uma vida e de uma obra se extingam.
    Um abraço!

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  2. R., ainda que não tivesse recebi o Nobel, ainda que não reúna consenso, deixa uma obra suficientemente significativa para ser lembrado.

    Um abraço. :)

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  3. Excelente forma de terminar uma noite já longa... Ouvir o talento de um compositor de notas enquanto se lê um compositor de letras. Já tinha saudades da Blimunda... E, ainda que desmesuradamente controverso, ainda que esteja a léguas da grande maioria das suas linhas de pensamento, transformei-me num "saramaguiano" a partir do dia em que devorei o "Memorial". Dizem que o autor não conhecia as regras básicas do Português... Talvez por isso me tenha fascinado tanto...

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  4. Cavaleiro, o Saramago subverte as regras do Português porque conhece bem a língua. É comum ouvir-se dizer que ele não usa pontuação, mas isso está longe de ser verdade - apenas privilegia uns sinais em detrimento de outros, em particular quando introduz discurso directo. Li vários livros do autor, mas o Memorial é, sem dúvida, o eleito. É impossível não simpatizar com Baltasar e Blimunda, símbolos de um amor eterno, que excede o tempo e as convenções sociais. :)

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