Sou vencida pela gula. Abeiro-me do balcão e peço à funcionária dois sabores de gelado – café e baunilha. Tive, em tempos, a ilusão de que, com a idade, este pecado seria menor e mais espaçado. A provar o contrário, uma senhora estrangeira, que aparenta ter mais de setenta anos, pede “tre” bolas. Ignoro os sabores.
Já na esplanada, esta voltada para o cais, sorri-me cúmplice – igualmente solitária, igualmente gulosa. Retribuo o sorriso.
Enquanto me delicio com o suave pecado, observo de soslaio a minha “companheira”. Conserva, apesar da idade, do cabelo branco, preso em carrapito, e das rugas que lhe sulcam rosto e mãos, a beleza e a elegância de uma bailarina. Ocorre-me, com óbvias diferenças, Geraldine Chaplin em "Hable con ella” de Almodóvar.
Satisfeita a gula, levanta-se, movendo a cabeça num subtil aceno, como que a despedir-se. Fico a vê-la afastar-se e formulo intimamente o desejo de poder, como ela, ser gulosa e autónoma por muito tempo.
Há pessoas, por mais que comam, mantêm um peso normal toda a vida. Mas são muito poucas...
ResponderEliminarBoa semana, beijo.
De vez em quando temos que satisfazer alguns desejos que impomos a nós mesmos como "pecaminosos", senão a vida seria demasiado certinha :-)
ResponderEliminarBoa semana
Dos sete pecados capitais, devem ser escrupulosamente cumpridos pelo menos cinco : gula, luxúria, ganância, preguiça, vaidade, inveja e ira.
ResponderEliminarDestes cinco, devemos ir repetindo (de quando em vez ou de vez em quando) dois.
[Do livro dos sábios, tomo II]
Por isso, ainda nos podes contar dos restantes... deste, estás solidariamente "absolvida".
;)****
Nilson, mais do que a silhueta é importante manter a lucidez e a autonomia.
ResponderEliminarWandolas, tens razão: que monótonos seriam os dias sem alguns prazeres! Por falar em prazeres, não me perdoo ter faltado ao habitual café de Sábado!
Tsiwari, as tuas palavras fazem-me sentir menos culpada. Até imagino quais sejam os dois!
Bem, quanto aos restantes pecados, ficam em segredo. ;)
Boa semana para todos. Beijinhos.
Gostei especialmente do final.
ResponderEliminarA ideia de depender de alguém no final da vida, não é muito agradável.
Beijinhos
Elsa
Elsa, obrigada. Não, de facto, ser dependente não se deseja de todo. :)
ResponderEliminarBeijinhos
Bem... tenho a vantagem de não ser gulosa... Mas como boa transmontana gosto das minhas excepções... até porque sou contra a repressão dos desejos... acredito sobretudo no equilíbrio... e talvez seja esse o caminho para a autonomia...
ResponderEliminarBeijinhos!