terça-feira, abril 28, 2009

o "meu" Abril

Em resposta à Hipatia: Não me lembro com que idade Abril deixou de ser apenas o mês dos aniversários, primeiro o do meu irmão, depois o meu, para passar também a ser o mês da Revolução. Quando esta ocorreu, eu vivia a muitos quilómetros da capital e era demasiado nova (fizera cinco anos uma semana antes) para ter noção do que se estava a passar. Mesmo que os adultos se tenham manifestado à minha volta não me recordo de tal. Imagino que o quotidiano das pessoas não tenha sofrido alterações significativas - pelo menos a curto prazo.
Lembro-me dos militares que apareceram na vila algum tempo depois. Costumavam parar pelo café Primavera, que pertencia aos pais de uma amiga minha, e que nos davam uns pacotinhos compridos que tinham dentro um líquido doce. Quando, um ano e meio depois, entrei na escola primária, já não havia retratos na parede. Apenas um crucifixo.
Suponho que o dia 24 de Abril de 1974 tenha sido um dia igual a muitos outros. Se estava bom tempo, é provável que tenha passado parte dele na rua a brincar com outros miúdos da minha idade. Talvez tenha visto algum programa na televisão do tal café Primavera, que ficava a escassos metros da minha casa, ou na casa de uma amiga - a nossa primeira televisão só foi comprada no dia 5 de Abril de 1975, nos cinco anos do meu irmão (era uma Grundig com a caixa vermelha!).

3 comentários:

  1. A minha professora primária era comunista. O director da escola transitara do antigo regime. Suponho que, por ele, o velho das botas e o crucifixo ainda estariam na parede quando cheguei à escola primária. Mas a minha professora chegou primeiro e, além do velho já apeado, o crucifixo seguiu o mesmo caminho. Naquela altura, a Igreja estava demasiado conotada com o antigamente – um dos piores bufos lá da terra era um padre e, graças a ele, o meu bisavô primeiro e o meu avô depois, conheceram por dentro as celas da PIDE, bem como muitos outros homens e mulheres que não o mereciam – pelo que o crucifixo foi apeado e, já sem as costas quentes pelo regime, o director da escola sujeitou-se, tentando – como tantos e tantos outros – fazer-se o mais cinzento e apagado possível, para ver se ninguém se lembrava dele. E não lembraram. Mas também isso aconteceu em muito sítio. O padre, aliás, também por lá continuou, caquéctico e esquecido.

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  2. O meu coração levou um aperto. Então deixei passar o teu aniversário? E tu não partilhaste comigo esse dia, que pena! Um defeito grande, não memorizo nem anoto aniversários. Uma má relação com o meu pode ser a explicação. Espero poder passar um momento contigo em que partilhemos os teus ??? anos e alguns dias.
    Quanto ao 25 de Abril, vivia numa aldeia, Camucuio, distrito de Vila Arriaga, Sá da Bandeira - Angola. Penso que andaria a brincar nas redondezas da casa. Sítios não faltavam, um rio seco a maior parte do ano, uma casa enorme abandonada, os animais do meu pai. Saía de casa sempre com um pequeno púcaro de alumínio para colocar o fruto do embondeiro misturado com água para ir comendo durante as brincadeiras. Diz a minha mãe que não era amiga de sapatos e raramente aparecia para almoçar. Almoçava nas cubatas com os empregados do meu pai. O meu 25 de Abril deve ter sido mais um dia passado a brincar.

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  3. Ui, esses pacotinhos compridos... Lembro-me deles, também.

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