... homenagear António Gedeão ou Rómulo de Carvalho (1906 - 1997), por isso escolho um dos poemas dele de que mais gosto.
Luísa sobe, sobe a calçada,
sobe e não pode que vai cansada.
Sobe, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa, larga que larga,
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa, larga que larga,
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada,
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Até a ler ficamos cansados!
ResponderEliminarFantástico, DEEP!!!
ResponderEliminarAntónio Gedeão para mim foi um dos maiores poetas portugueses!
Já agora digo-te que a SPA vai prestar-lhe uma homenagem no próximo dia 5 de Dezembro, com o lançamento de um CD de Afonso Dias (declamador e antigo deputado) a declamar poesia de Ant. Gedeão. Eu conto lá estar, depois poderei dar mais pormenores!
Beijinhos!
Lembro-me de ouvir a Odete Santos recitar este poema e ficar deveras impressionada. Creio que tinha apenas uns dez anos. Nunca mais me esqueci deste tom de cantilena.
ResponderEliminarObrigada por esta memória.
Primeira imagem ao ler este Poema:
ResponderEliminarUma menina no seu primeiro dia de escola com uma mochila saltintante rua acima!
Bjos
É um bonito poema, gosto.
ResponderEliminarBeijinho
Miguel, na verdade a intenção do autor é essa: transmitir a ideia de cansaço.
ResponderEliminarAlexandre, fico à espera das tuas notícias sobre esse evento.
Yashmeen, também me lembro da Natália Correia a declamar este poema. Não tens que agradecer. Estamos aqui para partilhar.
Ana, essa imagem surge-me muitas vezes, mas nunca a associara a este texto. Aliás, este texto lembra-me sempre um professor de Francês que tive e que, de vez em quando, se lembrava de declamar excertos.
Rute, é, de facto, um bonito poema.