segunda-feira, abril 25, 2016

Revolução

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta
Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do mar
Interior de um povo
Como página em branco
Onde o poema emerge
Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas
Poema escrito no dia 27 de Abril de 1974

Tinha acabado de completar cinco anos quando aconteceu a Revolução. Não tenho qualquer memória desse dia, não só por ser muito jovem e as minhas preocupações serem, nessa altura, poucas ou nenhumas, mas talvez também por viver longe dos palcos em que tudo teve lugar.
Desse tempo, guardo a lembrança da música "Tourada", que ouvia cantar aos meus primos mais velhos e de outras músicas, hoje indissociáveis da Revolução. Na minha memória moram igualmente os cravos que, em Abril, as professoras nos pediam para desenhar, como as imagens de alguns cartazes ou de murais associados ao antes e ao depois, e palavras como "comício" e "fascista". 
Naquela época, não tínhamos, como a maior parte das famílias, televisão. Dispúnhamos apenas de um pequeno rádio, que, segundo me disse a minha mãe hoje à tarde, enquanto víamos "Capitães de Abril", permitiu aos da casa e a alguns vizinhos, ir acompanhando os acontecimentos desse dia de Abril de há 40 anos.
Lembro-me que, pouco depois, apareceram na vila militares. Tenho uma vaga ideia deles no interior e na entrada do café Primavera.

Texto "resgatado" do baú


4 comentários:

  1. A bela analogia da liberdade ao poema, tantas vezes, nesta forma de arte, seja no poema nu e só, que a ele basta-se, seja no poema a quem alguém encaixa música para agregar as massas e, mais que isso: entranhá-lo no nosso ouvido sedento de voz a falar-lhe.
    Em Abril de 74 eu tinha uns turbulentos 9 anos, acabada de cair aqui, de páraquedas, pela mão de minha mão, enquanto meu pai fora cair, de outro páraquedas, em terras de Austrália. Foram anos difíceis para mim, não guardo boas memórias, mas lembro da dita revolução, das rezas de uma avó agarrada ao terço, com medo que dali nascesse mais uma guerra: rezava ela e fazia rezar quem estivesse ao redor, entendesse ou não os temores, entendesse ou não, a ladainha corrida.
    A lembrança mais bonita que os meus ouvidos de criança guardaram foi que "havia uma "gaivota que voava, voava...com as asas ao vento" e que eu cantava e "recantava" com toda a força que tinha, mas não em casa, que a avó, ainda traumatizada pela PIDE, tinha medo que as paredes ouvissem.

    Um bj, e melhoras para o pé =)

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  2. Obrigada, Carmem, por este testemunho. Imagino que não tenham sido, de facto, tempos fáceis.

    Obrigada e votos de bom domingo.:)

    Beijinho

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