quinta-feira, fevereiro 11, 2016

É tão difícil

Essa folha, aí. Tão branca que nem a neve é assim tão fria. Aproximo os dedos numa espécie de carícia, tentando atenuar, diluir tanta hostilidade, mas logo recuam tocados pelo medo. É tão difícil. Porque essa brancura queima, arde silenciosa num fogo que ninguém vê. Durante muito tempo só os olhos a procuram, a contemplam. Imóveis, sem afrouxarem de intensidade. Ouvem-se quase os latidos do pulso. De súbito, os dedos distendem-se, saltam; no seu movimento de falcão já não acariciam, antes rasgam, dilaceram, perseguem a presa numa luta onde não há tréguas, vão deixando na neve sinais da sua presença, ora triunfante, ora aflita, por vezes quase morta.
Eugénio de Andrade, Vertentes do Olhar

Imagem de Soizick Meister

Tem sido um braço de ferro. A folha branca tem vencido. Não tem sido fácil.

2 comentários:

  1. Que coincidência, deep: hoje também foste buscar palavras do Eugénio.
    Beijo

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  2. Isabel, o Facebook, com a novidade da revisão de memórias, lembrou-me que há um ano tinha publicado este texto, de que já não me lembrava.

    Regresso muitas vezes a Eugénio. Beijo

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