As canções e os poemas ignoram tanto acerca do amor. Como se explica, por exemplo, que não falem dos serões a ver televisão no sofá? Não há explicação. O amor também é estar no sofá, tapados pela mesma manta, a ver séries más ou filmes maus. Talvez chova lá fora, talvez faça frio, não importa. O sofá é quentinho e fica mesmo à frente de um aparelho onde passam as séries e os filmes mais parvos que já se fizeram. Daqui a pouco começam as televendas, também servem.
Havemos de engordar juntos.
Estas situações de amor tornam-se claras, quase evidentes, depois de serem perdidas. Quando se teve e se perdeu, a falta de amor é atravessar sozinho os corredores do supermercado: um pão, um pacote de leite, uma embalagem de comida para aquecer no micro-ondas. Não é preciso carro ou cesto, não se justifica, carregam-se as compras nos braços. Depois, como não há vontade de voltar para a casa onde ninguém espera, procura-se durante muito tempo qualquer coisa que não se sabe o que é. Pelo caminho, vai-se comprando e chega-se à fila da caixa a equilibrar uma torre de formas aleatórias.
Quando se teve e se perdeu, a falta de amor é estar sozinho no sofá a mudar constantemente de canal, a ver cenas soltas de séries e filmes e, logo a seguir, a mudar de canal por não ter com quem comentá-las. Ou, pior ainda, é andar ao frio, atravessar a chuva, apenas porque se quer fugir daquele sofá.
E os amigos, quando sabem, não se surpreendem. Reagem como se soubessem desde sempre que tudo ia acabar assim. Ofendem a nossa memória.
Nós acreditávamos.
Havemos de engordar juntos, esse era o nosso sonho. Há alguns anos, depois de perder um sonho assim, pensaria que me restava continuar magro. Agora, neste tempo, acredito que me resta engordar sozinho.”
José Luís Peixoto
ResponderEliminarO Homem é um animal de rotinas. Quando um ciclo se fecha, demora a encontrar os caminhos de novas/outras rotinas.
Sobre a perda, essa dói sempre!
Lídia
Já estive num sofá como esse, engordando, amando...
ResponderEliminarAssim é, Lídia. Felizmente também tem a capacidade de se regenerar de criar as novas rotinas. Até à dor da perda nos vamos habituando.
ResponderEliminarAnónimo, quem sabe, no mesmo ou noutro sofá, não poderá um dia continuar a amar e a engordar?
Bom fim-de-semana para ambos. :)
De onde tirou este texto do JLP? È mesmo isto...
ResponderEliminar~CC~
sou uma admiradora do JLP
ResponderEliminarcuriosamente não conhecia este texto
um bom fim de semana.
um beijo
CC, o texto começou por ser publicado na Visão. Li-o, depois, numa compilação de crónicas do autor, sob o título "Abraço". Desta vez, deparei com ele num blogue e tratei de surripiá-lo. :)
ResponderEliminarPiedade, do JLP gosto sobretudo da poesia. :)
Beijinhos para ambas.