domingo, junho 24, 2012

Dos sentimentos

Há uma idade (na verdade, há muitas idades) em que acreditamos mais, em que as ilusões moram em nós de forma mais intensa e durante mais tempo. Por vezes, basta um sorriso ou um olhar, no dobrar de uma esquina, para acreditarmos que entre nós e o dono desse sorriso ou desse olhar nasceu algo de especial. De imediato, inventamos sentimentos e, em pouco tempo, erguemos uma ilusão, que pode trazer no pacote o retrato ficcionado da outra pessoa e a imagem de uma relação que provavelmente só existe na nossa cabeça. Enquanto a desilusão não chega ou uma nova ilusão não se apodera de nós, vivemos enlevados, suspensos num sentimento muitas vezes sem alicerces.
Chega, contudo, um momento em que nos tornamos mais lúcidos - ou desencantados? Tomamos, então, consciência de que nada é preto no branco e de que, sobretudo em matéria de sentimentos, há vários tons de cinzento. Não só os olhares ou os sorrisos podem ser muitos, como o mesmo olhar ou o mesmo sorriso pode ter diferentes interpretações. Também aquilo que noutra idade considerávamos indubitavelmente paixão ou amor, pode agora não passar de um mero encantamento sem consequências. 
Apercebemo-nos igualmente de que as atitudes de alguém que parece considerar-nos especiais nem sempre resultam de um sentimento que tem por nós, antes de uma necessidade egoísta de ser amado, ou seja, ainda que possa experimentar algum sentimento pela outra pessoa, esse alguém ama sobretudo a ideia de que o amem, por isso seduz, insinua-se, provoca, para se certificar de que mantém a outra pessoa suspensa nessa sua necessidade, indiferente aos estragos emocionais que possa causar.
Quando tal acontece, sabemos que é inútil verbalizar sentimentos. Fazendo-o não aproximamos o outro de nós, pelo contrário, afastamo-lo, porque quebramos um encantamento de que se alimenta e de que alimenta a pessoa de quem se aproxima. Nomear aquilo se sente é investi-lo de realidade e esta não se coaduna com um sentimento que só pode ter existência virtual.
Eu sei que são muitos devaneios para um domingo de manhã e que o mais certo é nada disto fazer sentido, mas apeteceu-me divagar.

4 comentários:

  1. Faz todo o sentido. Acho que toda a gente já passou por isso.

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  2. "Tomamos, então, consciência de que nada é preto no branco e de que, sobretudo em matéria de sentimentos, há vários tons de cinzento."

    Concordo com tudo em absoluto!Mas sobretudo com esta frase...era muito fácil se a vida fosse a preto e branco...mas não é :))

    bj

    Elsa A.

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  3. Anónimo, também penso que sim. :)

    CC, obrigada! :)

    Elsa, seria mais fácil, mas talvez menos emocionante. ;)

    Um bom dia para todas.

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