domingo, abril 20, 2008

verdade ou "fingimento"?*

“O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.” (Excerto de Autopsicografia de Pessoa) 


Em maior ou menor grau, de forma mais ou menos consciente, com intenção ou não, fingimos ser o que não somos – pelas palavras (outra vez as palavras!) ou pelos gestos. Construímo-nos. Para agradar aos outros. Para sermos aceites. Para nos sentirmos outros, diferentes do que somos e de que não gostamos. Para nos aproximarmos de um pré-conceito de perfeição. E é com metade de nós a dizer verdade e a outra metade a fingir que nos apresentamos aos outros. Acrescente-se à imagem que damos de nós a imagem que os outros constroem, ou substitua-se esta pela primeira. O que fica? Não mais do que um ser idealizado. E quando essa idealização vai, ainda que tangencialmente e sem que disso tenhamos total consciência, ao encontro de esteriotipos? “Ama-se” o que se imagina não o que se conhece e, quando a realidade nos cai sobre a cabeça, sentimo-nos barco naufragado incapazes de seguir viagem. Em Cyrano de Bergerac, Roxane julgou-se perdidamente apaixonada por Christian, quando, na verdade, sucumbiu ao poder das palavras de Cyrano. O amor dela não passou de um logro – não amou um nem o outro. Adamastor apaixonou-se pela ninfa Tétis ao vê-la sair nua das águas e, quando percebeu que ela não só não o amava, como troçava do amor que ele sentia, tornou-se amargo, transformando-se em duro monte. Num e noutro caso, os amantes partiram de falácias, construindo um amor sem fundamento, ou seja, aquilo que costuma apelidar-se de “amor platónico”, porque se alimenta essencialmente de uma idealização.

* Nota: como Pessoa, entendo aqui o fingimento como construção, não como mentira.

4 comentários:

  1. Roxane amou as palavras sinceras daquele homem q só na morte reconheceu, platonicamente, mas amou-o. Amou a sua sinceridade embora iludida pela beleza de outro...
    O nosso fingimento aparece qd axamos q temos q nos 'defender' de algo. Não fingimos a toda a hora, com toda a gente, mas tb ñ podemos ser inteiramente sinceros a toda a hora com toda a gente... Axo q é neste ponto q mostramos e vemos o estereótipo...
    mas q sei eu...
    Xis

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  2. Se considerarmos "válido" o amor sentido platonicamente, ela amou-o, mas só isso é muito pouco!...

    Xi GDE

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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