segunda-feira, novembro 12, 2007


(Imagem captada por mim na manhã de ontem)

Fez-se à estrada, quando o dia bocejava ainda, na esperança de esvaziar a alma e o coração de sentimentos gastos, de dar ao quotidiano outros rostos e outras vozes.
Deixou para trás um mundo de coisas “urgentes” que decidiu adiar. «Por vezes, é preciso parar.»- pensou - «Cansar o corpo, para percebermos que ainda temos alma.»
Em silêncio, entregou-se ao trabalho. Sabia que, por falta de hábito, os músculos começariam a dar sinal. Ignorá-los-ia – decidiu.
Minuto após minuto, hora após hora, apenas o som dos frutos a cair uns sobre os outros, o rumorejar das folhas, o grasnar de um corvo se atreviam a cortar o silêncio, luminoso como o dia.
E, à medida que o tempo se escoava, apercebeu-se, com contido júbilo, que o pensamento se esvaziara, que a alma se tornara mais leve, embora não tanto que não desse por ela.
Instintivamente, moveu a cabeça na direcção da Serra. Ali estava ela, como sempre, desde que se lembrava: generosa, maternal e cúmplice. Fechou os olhos por instantes e deixou que um morno e terno abraço a inundasse de energia. Como um beijo doce, uma leve brisa varreu-lhe as pálpebras, brincou com o cabelo.
Revigorada, plena de energia telúrica, fincou os pés no chão, dobrou de novo as costas e restituiu ao trabalho as mãos que, por breves segundos, haviam permanecido inertes. Gestos mecânicos conduziram-na até ao fim do dia.
De regresso a casa, alguns picos nos dedos, os músculos doridos, a certeza de uma semana de trabalho abateram-se sobre ela como uma sentença sem possibilidade de fiança.

5 comentários:

  1. uma descrição de "apanha de castanhas" com muita poesia...! parabéns pela poesia da palavra.
    bj
    ps. a imagem da foto é quese de certeza transmontana. e o que se avista em último plano são os "incontornáveis eólicos...?"

    ResponderEliminar
  2. Olá, Alexandre. A imagem retrata, de facto, uma paisagem transmontana, mas o que se vê ao fundo são apenas antenas, não eólicas.

    Obrigada pelo elogio, mas estou longe de me considerar capaz de produzir poesia. Chamemos-lhe !impressões"...

    Boa semana :)

    ResponderEliminar
  3. Lindo. Dito assim parece banal. Mas nesta manhã, na cidade, já com o bater das teclas a fazer esquecer-me a paz da noite, sabe bem ler sobre o campo, sobre as pessoas simples... sobre gestos, cheiros... enfim, sentires diferentes!

    Obrigado!
    Aquele beijinho

    ResponderEliminar
  4. olá deep
    obg pelos seus simpáticos "comentários" lá no meu canto. quanto à qualidade das imagens...o mérito não é do fotografo. "as coisas" é que são bonitas!!!!!

    ResponderEliminar
  5. Olá deep, voltei! Bem sei que a curiosidade matou o gato…!
    O seu heterónimo (deep) foi escolhido/assumido por ser uma pessoa “profunda” ou “difícil”…?!
    Ps. claro que ainda me restavam outras significâncias: vasto, difícil, forte, intenso, não superficial, fundo…

    ResponderEliminar