terça-feira, junho 20, 2006

paixões


Aos 20 anos - há muito tempo, portanto -, li o Fio da Navalha, de Somerset Maugham, numa edição dos Livros do Brasil.
Circunstâncias várias - as características e vivências das personagens, os espaços em que a acção decorre, os ambientes criados, o estilo do autor - contribuíram para que me apaixonasse verdadeiramente pela obra citada e mais ainda por Larry, o protagonista. Na sequência deste meu enamoramento, o volume que me pertence foi lido repetidas vezes por amigas e conhecidas - tanto, que hoje está num estado lastimável, com manchas amareladas de ter caído, não sei como, à água e com a lombada restaurada com algumas camadas de fita-cola.
Hoje, ao arrumá-lo na estante, após novo empréstimo, abri-o e decidi que vou relê-lo para "medir" o grau da minha "paixão", após tantos anos.

«Não me refiro somente a medo de espaços fechados e medo das alturas, mas medo da morte, e mais grave ainda, medo da vida. Às vezes, encontramos pessoas que parecem em óptimo estado de saúde, prósperas, sem nenhuma preocupação, e que, no entanto, se acham torturadas por esse medo. Cheguei mesmo a acreditar que era a coisa mais comum nas criaturas, e certa vez perguntei a mim mesmo se não teria origem nalgum profundo instinto animal, que o homem herdou daquele "não-sei-quê" primitivo que pela primeira vez sentiu a vibração da vida.»

«Aquelas montanhas, com as suas densas selvas; a neblina emaranhada na copa das árvores; o lago profundo, lá em baixo, bem longe. O Sol reflectiu-se no lago, através de uma fenda nas montanhas, e ele teve uma fulguração de aço polido.. Fiquei maravilhado com a beleza do Universo; nunca sentira tanto júbilo, nem tão grande êxtase. Experimentei estranha sensação, um formigueiro que me subiu dos pés à cabeça; pareceu-me que, de repente, me libertara da matéria, compartilhando, como espírito puro, de uma beleza com que jamais sonhara. Tinha a impressão de ser possuidor de uma sabedoria sobrenatural, de modo que tudo quanto me parecera confuso se aclarou, tudo quanto me deixara perplexo se explicou. Felicidade tão intensa que chegava a ser dolorosa; procurei libertar-me dela, pois sentia que, se durasse mais um momento, eu morreria, ; e, no entanto, era um êxtase tão grande que seria preferível morrer a ter de renunciar a ele. (...) Quando voltei a mim, estava exausto e trémulo. Adormeci.»

P.S. - Alguns anos depois de ter lido a obra, vi o filme, em que Kevin Kline assume o papel de Larry. Fiquei desiludida. Imaginara um Larry diferente.

6 comentários:

  1. oh, os filmes são quase sempre piores...
    Nada como reler o livro para reter a boa imagem!

    ResponderEliminar
  2. Os livros são assim, criam paixões...

    ResponderEliminar
  3. também crio imagens para os personagens livrescos... e, muitas vezes, tão longe dos actores/actrizes que lhes vestem a pele depois.

    e gosto bem mais dos meus! ;)

    ResponderEliminar
  4. é sempre assim.. quando se lê um livro e depois se vê algo como outra pessoa idealizou é sempre uma desilusão...

    Fica bem!

    ResponderEliminar
  5. um dos meus livros preferidos... ora diz lá quando fazes anos...

    quando leio um livro, nunca vejo o filme...é uma das regras para ke não perca o encanto ...


    beijo do coração

    ResponderEliminar
  6. O medo é intrínseco ao ser humano.Ninguém lhe escapa, porque envolve a sua finitude e pequenez. Mas ninguém o declara. Por pudor.

    ResponderEliminar