sábado, junho 10, 2006

leituras II

Uma breve troca de ideias com o Tá Difícil, na caixa de comentários de uma das minhas últimas postagens, fez-me regressar a duas obras por que me apaixonei e de que vos deixo algumas passagens.

"A minha primeira impressão ao aperceber-me de que estava imerso na escuridão, de que já não conseguia ver a palma da minha mão, foi a de que não conseguia dominar o terror. Pelo barulho da água contra a borda, sabia que a balsa continuava a avançar lenta, mas incansavelmente. Mergulhado nas trevas apercebi-me, então, de que não tinha estado tão sozinho nas horas do dia. Estava mais sozinho na escuridão, na balsa que não via, mas que sentia por debaixo de mim, deslizando surdamente sobre um mar espesso e povoado de animais estranhos."

Gabriel García Marquez, Relato de Um Náufrago, Edições Asa
"Na época a que nos referimos dominava nas cidades um fedor dificilmente imaginável para o homem dos tempos modernos. As ruas tresandavam a lixo, os saguões tresandavam a urina, as escadas das casas tresandavam a madeira bolorenta e a caganitas de rato e as cozinhas a couve podre e a gordura de carneiro; as divisões mal arejadas tresandavam a mofo, os quartos de dormir tresandavam a reposteiros gordurosos, a colchas bafientas e ao cheiro acre dos bacios. (...) O camponês cheirava tão mal como o padre, o operário como a mulher do mestre artesão, a nobreza tresandava em todas as suas camadas, o próprio rei cheirava tão mal como um animal selvagem e a rainha como uma cabra velha, quer de Verão, quer de Inverno."
Patrick Suskind, O Perfume, Editorial Presença

2 comentários:

  1. Como já tive a possibilidade de dizer antes, as duas são referências que se equivalem no peso sensorial que tiveram nos momentos em que as li.

    Daí que partilhe a do mesmo apreço que você tem por elas.

    Um beijinho, bom domingo.

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