terça-feira, outubro 25, 2005

cadernos portugueses
" Havia também uma pilha de cadernos alemães e outra de cadernos portugueses. Os cadernos portugueses exerciam sobre mim um fascínio muito especial e eu sabia que não resistiria àquelas capas duras, àquelas linhas quadriculadas, àqueles cadernos costurados de papel robusto, sólido, imune a todo o tipo de borrões. Eu sabia que acabaria por comprar um caderno português: bastaria pegar num deles, bastaria senti-lo nas minhas mãos e eu não resistiria. Não havia neles nada de luxuoso, nada que desse nas vistas. Não, aqueles cadernos eram muito simplesmente um artigo prático - resistente, desprentensioso, útil, de maneira nenhuma o livro em branco que poderíamos escolher como prenda para um amigo. Mas eu gostava do facto de serem encadernados a pano, e também gostava da forma: vinte três centímetros e cinquenta por dezoito centímetros e quarenta, o que os tornava um pouco mais pequenos e mais largos do que a maior parte dos cadernos. Não sou capaz de explicar porquê, mas a verdade é que achava essas dimensões profundamente satisfatórias, e, quando peguei pela primeira vez no caderno, senti algo que se assemelhava ao prazer físico, uma súbita e incompreensível irrupção de bem-estar. Restavam apenas quatro desses cadernos e cada um tinha uma cor diferente: preto, vermelho, castanho e azul. Escolhi o caderno azul, que era o que estava em cima."
Auster, Paul, A Noite do Oráculo

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